ESTA VALSA TAMBÉM É MINHA
Valsa:
dança de salão padronizada, em três tempos, com uma leve acentuação sobre o
primeiro, executada por casais e rodopiada. Larrousse Cultural
Primeiro
movimento: ora, deu-se um dia que o meu anjo de guarda de plantão era o poeta
Del Maestro e ele me pegou pela mão e me apresentou a Aristides Theodoro;
apenas via Correios, que oportunidade para conhecer pessoalmente o alcaide de
Curiapeba ainda não a tive. Vai então o curiapebano ilustre, além de apre-sentar-me
os meus meio patrícios Vasco dos Santos, Antônio Neto Guerreiro e José
Verdasca, ainda me brindou com a conhecença desta cearense arretada, a nossa
irmã de fé, Iracema M. Régis.
Historio
estes conhecimentos apenas para demonstrar o quanto é proveitoso o intercâmbio
de notícias, de publicações e de idéias, naturalmente, entre os últimos
abencerrages, os incansáveis e renitentes intelectuais brasileiros. A despeito
do descaso demonstrado por eles pela Grande Mídia que privilegia apenas os
“sultões pelados”, os “deuses feitos” das letras nacionais, há uma plêiade de
bons autores por todos os cantos deste Brasil varonil, que ainda insiste em
escrever, em dar o seu recado. Ora, agora vem uma dessas paladinas, a
incansável Iracema Mendes Régis “saída do mel” e meio irmã do Aristides
Theodoro, a pedir-me que prefacie o seu Esta Valsa é Nossa, uma incrível coletânea
de prefácios, posfácios e “orelhas”, que ela acaba de desencavar do fundo do baú. Confesso meio sem jeito, como Lope de Vega,
“que yo nunca me vi en tal apierto”. Mas, como sou um
caboclo prestativo, sempre pronto a dar a sua mão a quem dela necessita, vamos
à valsa.
Segundo
movimento: diz o velho Júlio Dantas, na Ceia dos Cardeais, que “espada, anel e
mulher, na mão de quem estiver”, e, acrescento eu, por minha conta e risco: a
pena também. Ora, esta cabocla cearense de Limoeiro do Norte já nasceu
predestinada à lucidez, ao manejo da pena e a abrir os próprios caminhos, haja
vista o sítio onde nasceu, o “Sitio do Sapé ou “sapê”, como dizemos nós cá do
sul-sudeste. E se afirmo isto é porque o sapé é uma gramínea que os tupis
usavam sob a forma de fachos, para aclarar os caminhos (eçápé, “ver o
caminho”). E ela então, como legítima filha do Sapé, viu os caminhos que a
levaram ao estado de São Paulo, aos estudos no Instituto Metodista de Ensino
Superior, de São Bernardo do Campo, ao convívio com os intelectuais mauaenses,
entre os quais, como não conseguiu evitar, encontrou o seu guru, nosso mestre
Aristides Theodoro. E ao contato com o pessoal do Colégio Brasileiro de Poetas (Castelo Hanssen e outros), Guilherme Vidotto,
Clóvis Volpi, Edson B. de Camargo, Cecília Camargo, Deise Assum-pção, Neli
Maria Vieira, Mauri Chiozani, Carlos Binder, Caio Evengelista e tanta gente boa
mais, o seu talento desabrochou naturalmente como uma boa semente em terra
fértil. E aconteceu então uma sólida cultura literária – escrever bem é, antes
de tudo, o haver lido muito -, e uma lucidez que seria de se admirar se ela não
fosse quem é, nascida onde nasceu, e antes de tudo, como qualificava Euclydes
da Cunha, “uma forte”. Pena (objeto
com o qual se escreve) que,
ajuntada a tanta lucidez, ela tenha
herdado de seus incríveis arranjos cromossômicos essa sensibilidade que é uma
antena delicadíssima/a captar pedaços de todas as dores do mundo/e, um dia, me
fará morrer de dores que não são minhas. (Newton Braga, poeta de Cachoeiro do
Itapemirim, meu conterrâneo, que teria renome nacional se não houvesse sido
ofuscado por seu irmão mais velho, o cronista Rubem Braga). E eu confesso que
até hoje não sei se Deus nos dá esta sensibilidade do poeta capixaba para o
nosso bem ou para o nosso mal.
Agora, depois
de tantos prefácios e “orelhas”, a autora de dezenove livros publicados precisa
de um prefácio para esta coletânea. Que poderei dizer-lhe eu, a ela que é
mestra em apresentar obras alheias? Em O Direito de Exercer a Liberdade de
Expressão ela preceitua: “ninguém inicia qualquer processo criativo a não ser
pelo começo”. Então mestra, obrigado pela lição, e ponhamos mãos à obra. E,
por esta afirmação, entremos no Terceiro Movimento: Esta Valsa é Nossa engloba dez
prefácios, quatro “orelhas” e três posfácios. E vai a sua autora, A
Prefaciadora Emérita (ó, as ironias da vida!) e me pede um prefácio, a mim que
nunca escrevi nenhum, a mim que não passo de um romancista “amigo das tramas
complexas”, como me rotulou um crítico capixaba. Tentemos, porém, sair desta
enrascada, pedindo carona às musas camonianas se, na empreitada, “me faltarem
engenho e arte”.
Começarei
dizendo que Iracema Régis, em seus prefácios, me lembra Humberto de Campos em
suas críticas literárias. Eu as tenho, edição antiga, em quatro volumes, e sempre as releio para
recordar com o mestre a arte de avaliar as produções alheias. Bem diferente de
Agripino Grieco e de José Veríssimo, o insigne maranhense sempre tinha uma palavra de
estímulo aos autores das obras analisadas; não lhe importava a notoriedade do
autor sobejamente conhecido ou a inexperiência de quem estreava nas letras:
para todos tinha ele um incentivo, uma palavra amiga. Esta característica muito
humana, e que dignifica quem a possui, eu também a encontrei nos
prefácios e posfácios da nossa Iracema. Querem um exemplo? No já citado O
Direito de Exercer a Liberdade de Expressão ela preceitua: “o nosso dever é o
esclarecimento, a conscientização e o incentivo”.
Como se
dissesse: um empurrãozinho para que o pássaro novel bata as asas em busca de um
horizonte que só Deus sabe onde estará. Todos os seus prefácios e posfácios
sustentam a mesma nota, tem o mesmo diapasão: o incentivo, o elogio sério de
quem de fato leu e entendeu a obra prefaciada, o entusiasmo por este grupo de
intelectuais mauaenses que me lembra os antigos guardiães do fogo sagrado,
isso sem se falar na sua inequívoca admiração pelo amigo do rei (ou será ele o
próprio rei), de Curiapeba, Aristides Theodoro. Como vemos, esta mauaense de
coração e adoção bem mereceu ser agraciada, recentemente, com o título de
Cidadã Mauaense.
Esta
é a Iracema que conheci através de seus escritos, mormente agora depois de Esta
Valsa é Nossa. Só me resta desejar-lhe muito sucesso e que esta Valsa a leve,
como aquelas dos Strauss, Pai e Filho, pelos danúbios azuis da vida, nunca me
esquecendo, é claro, de
agradecer ao bom Aristides o fato
de havê-la colocado no meu caminho.
Rodopio final:
eu nunca fui “pé-de-valsa”, mas peguei uma carona na sua afirmação “de que
ninguém inicia um processo criativo a não
ser pelo começo”, e resolvi fazer o final deste
texto antes do começo, como aqueles sonetistas parnasianos que fundiam uma
“chave de ouro” e depois pensavam em um soneto que “coubesse nela”. E com este
rodopio final espero haver me desincumbido a contento da tarefa proposta, para
satisfação da autora e, se não for pedir muito, dos seus leitores também.
Afinal de contas, esta Valsa também é minha. - por Samuel Duarte
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Robson