Iriê
sempre soube que lembrava à tia querida o ex-amor — seu tio.
Às
vezes, endereçava-lhe o mesmo olhar adulto, que abarca, numa lente ampliada,
mesmo estando de frente, o gancho do sutiã, a pinta nas duas nádegas, e o
desejo da tia Eneyda embutido num segredo de dor.
Eneyda,
quando encontrava o menino, deixava seu carinho todo à mostra — Iriê é muito
sensível, inteligente, nossa! Já leu cinco livros nas férias? Que gracinha,
Iriê! Esta sua tia fica muito feliz, viu?
Na
sala, Iriê senta-se estrategicamente em frente ao outro sofá, e vistoria
imberbe e púbere as pernas da tia, que vararam no corte lateral do seu vestido
longo. O tempo é... Não gera... Não afasta... Não.
Seu
ex-sogro morre — Alzheimer, osteoporose, noventa e sete anos, fragilidades mil
— Cemitério da Boa Esperança, túmulo 30, lote 255. Encontro inevitável —
ex-marido alto, claro, aparência comum que, embora semifugido da lembrança de
Eneyda, voltava insistente pela presença de Iriê, sobrinho alto, claro,
elegante, charmoso, olhar direto e límpido, mãos sábias, braços fortes, lábios
quentes, perfume marcante, cúmplice, olhos tentaculares — Iriê!
A
vergonha pelo medo de Iriê perceber seu desconserto Será que ele notou?
Quase o beijei na boca, meu Deus, que sufoco!!! sempre que o sobrinho lhe
oferece o rosto, navega tanto que não raro Eneyda quase erra o alvo.
Iriê
sequer suspeita o que exerce sempre que seu batom aflora o rosto do sobrinho
querido. Hoje, adultícia viril. O fato é que o ex-marido não invade mais o
espaço entre Eneyda e Iriê.
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Gosto também de contos - escrevo alguns, embora sem o seu talento -. Este é fantástico, deixa-nos um gostinho de quero mais e a imaginação a prever milhões de encontros e desencontros. Se você quiser se corresponder comigo (já que ainda não se rendeu ao facebook), meu e-mail é: francisco.ferreira68@yahoo.com.br.Abraços!