por Cláudia Brino
“Aquelas que, rompendo com um meio tão hostil, atrevem-se a
cultivar as letras devem logo se resignar aos sarcasmos mais pungentes e as
chufas mais grosseiras. Contestam-lhes o talento e babam as mais vis calúnias
sobre sua honra. Raramente recebem palavra de animação e, se alguém as saúda, é
logo suspeito de ser seu amante”.
(texto do escritor Viveiros de Castro, de
1895)
Mulher, esposa, mãe e filha. Essas eram as atitudes que as
mulheres tinham que tomar e não podiam, de forma alguma, transpassar essas
características; a mulher que não se enquadrasse nesse espaço familiar estava
destinada à loucura, à prostituição ou à morte.
Até que em pleno século XIX – e até mesmo no século XVIII –
mulheres que se recusavam a viver apenas para cuidar da família, ficar à beira
de um fogão, ou estudar francês e piano, não se calaram, pelo contrário,
escreveram e criaram jornais literários, abriram escolas, publicaram livros,
ensaios, artigos.
É verdade que muitas dessas mulheres foram esquecidas, mas ainda
hoje podemos ter o prazer de ler alguns de seus trabalhos, como no caso da
carioca Alexandrina da Silva Couto dos Santos, nascida em 1859, jornalista,
poeta e bilíngüe, que ora escrevia uma poesia divertida, mas ao mesmo tempo
pessimista, como se pode notar nestes versos:
“Nós nos enlaçamos/Depois um dia nos cansamos
disso; é o amor”.
Não posso deixar de citar também o Best seller do século XVIII,
o romance Aventura de Diófanes (1752), da portuguesa Teresa Margarida da
Silva e Orta, nascida em 1711 e filha de um dos homens mais ricos de Portugal.
Outra escritora que não pode deixar de ser citada é Helena Morlay, pseudônimo da
dona de casa mineira Alice Dayrell Caldeira Brant, que escreveu Minha Vida de
Menina, um diário famoso nos últimos anos do século XIX, em Diamantina. Ela
foi estimulada pelo pai, um pequeno minerador descendente de ingleses, a
escrever um diário relatando tudo o que se passava ao seu redor, e foi
exatamente o que ela fez. Descreveu o cotidiano das mulheres de sua época onde
fez considerações sensíveis ao casamento e à maternidade.
Os textos escritos por uma mulher eram de longe conhecidos como
sendo totalmente diferentes de um texto escritos por homens. Robin Lakoff disse
que a mulher emprega mais adjetivos ao falar, também é mais polida, mais
preocupada com a hipercorreção gramatical, o que talvez explique as frequentes
expressões modais que exprimem conteúdos triviais.
Outras características, provavelmente, encontradas na literatura
feminina são:
- A escrita diferente dos homens, seja no estilo, seja no conteúdo, no propósito, pois tem uma identidade muito própria do sexo;
- As descrições são mais detalhadas, o estilo mais sensível;
- A exploração, de forma mais intensa das realidades próximas das do seu sexo – o parto – o casamento.
No entanto, em Londres apareceu uma obra – que engrandeceu a
atenção dos estudos femininos – cujo tema relatava as experiências de uma
imigrante indiana na Inglaterra – em um estilo que se enquadra perfeitamente
naquilo que se considerava escrita feminina, mas a surpresa é que o livro havia
sido escrito por um homem. E, também, ocorreu o caso de uma escritora francesa,
Amandine Aurore-Lucie Dudevant (1804-1876), que escrevia sob o pseudônimo de
George Sand.
Durante a primeira metade do século XIX surgiram vários jornais
dedicados às mulheres, entre ele: O Espelho Diamantino (RJ, 1827), O
Espelho das Brasileiras (Recife, 1831), A Fluminense Exaltada (RJ,
1832), mas todos eles foram fundados e dirigidos por homens.
O espaço decisivo para o desenvolvimento da expressão feminina
aconteceu em 1832 com o surgimento, no Rio de Janeiro, do primeiro jornal
feminino: Jornal das Senhoras (fundado e dirigido pela jornalista Joana
Paulo Manso de Noronha, argentina radicada no Rio de Janeiro), publicando
artigos de moda, literatura, política e artes. O editorial da primeira edição
encorajava as mulheres a buscarem um “melhoramento social e a emancipação
moral”. O Jornal das Senhoras foi publicado até 1855.
Em 1862 é que surgiria O Belo Sexo (periódico dominical
fundado no Rio de Janeiro por Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar). A novidade
desse periódico é que as colaboradoras, de vários estados, eram incentivadas a
assinar seus trabalhos. O jornal não permaneceu atuante por muito
tempo.
Somente depois de treze anos, em 1875 surge O Sexo
Feminino (jornal que teria grande repercussão na sociedade), fundado por
Francisca Senhorinha da Motta Diniz, professora na Corte Imperial de Don Pedro
II, no Rio de Janeiro. O periódico sobreviveu por apenas um ano, mas retornou
(sob mesma direção) às vésperas da Proclamação da República (1889), já durante a
República passou a ser chamado O Quinze de Novembro.
As brasileiras Maria Augusta G. Estrella e Águedas J. F. M.
Oliveira fundaram em New York, em 1881, o jornal A Mulher, “consagrado ao
interesse da mulher brasileira”, na sua primeira edição escreveram: “com as
mãos trêmulas pegamos na pena para discutir uma das mais delicadas matérias; a
justificação de que a mulher é inteligente e digna de grandes cometimentos
(...)”
Em São Paulo o primeiro jornal feminino a repercutir na
sociedade foi A Família, 1888, fundado por Josefina Álvares de Azevedo
(irmã do poeta Álvares de Azevedo). Transferido para o Rio de Janeiro, o jornal
sobreviveu até 1897. Neste mesmo ano surgia A Mensageira, revista
literária dedicada à mulher brasileira e dirigida por Presciliana Duarte de
Almeida, primeira mulher eleita para a Academia Paulista de Letras
(1909).
Surgiram muitos jornais, revistas e livros. As mulheres foram
ganhando espaço, principalmente quando criaram os famosos Salões Literários.
Além dos salões, foram criados os saraus e as academias femininas; a primeira
agremiação literária feminina que se tem notícia foi a Liga Feminista Cearense
fundada em 1904, por Alba Valdez.
No campo literário, na década de trinta, Rosalina Coelho Lisboa
(1900-1975) conquistava o primeiro prêmio em concurso literário da Academia
Brasileira de Letras com o livro Rito Pagão. E já no ano da Semana de
Arte Moderna (1922), a escritora Ercília Nogueira Cobra (1891-1938), lançou seu
primeiro livro: Virgindade Inútil – novela de uma revoltada, uma obra
polêmica que discutia a exploração sexual e trabalhista da mulher. Ercília
chegou a publicar ainda: Virgindade Anti-Higiênica – preconceitos e
convenções hipócritas (1924) e Virgindade Inútil e Anti-Higiênica –
novela libelística contra a sensualidade egoísta dos homens (1931). A autora
chegou a ser presa por suas idéias.
Após tantos esforços e lutas, as mulheres jornalistas,
escritoras e poetas exteriorizaram sua época, se apresentaram ao mundo e
deixaram sua marca na história. Mulheres de ontem: retrato de muitas e novas
eras.
Cláudia Brino