Trata-se da história de um homem que perde a memória e aparece perdido numa fazenda na cidade de São Roque de Minas, Serra da Canastra.
continuação
A semelhança do novo empregado da fazenda com o
São José da Sagrada Família que ficava no canto da sala, ultrapassava a
aparência visual. Sempre acompanhado de suas ferramentas e usando uma espécie
de tapa-olho no olho adormecido, que fora gentilmente confeccionado por dona
Feliciana, mostra-se, José, muito habilidoso nos trabalhos manuais,
revelando-se um verdadeiro artista no laboro com a madeira. Sem que o patrão ordenasse,
talhou novos moirões para as cercas, reformou todas as porteiras velhas,
reforçou o curral, fabricou pequenas cancelas para impedir que as criações
entrassem nas casas e, ainda, trocou os engradamentos dos telhados de todas as
residências da fazenda. A disposição de José era tanta que começa a despertar
ciúmes em Argemiro, o empregado mais antigo e homem de confiança de João
Clemente.
A oportunidade dada pela família Clemente sempre
fora bem aproveitada por José Vazio. A lida diária, a convivência com as
pessoas e o seu amor pelos animais, além de conservá-lo redivivo, servia,
também, para fazê-lo esquecer do vazio que persistia em acompanhá-lo. Em suas
caminhadas, depois que terminava todas as suas obrigações do dia, empreendia
horas e horas escarafunchando alguma lembrança, mas, em sua cabeça, pairavam
apenas as cenas da sua chegada à fazenda e de quando cruzara o terreiro
cambaleando de fome e de cansaço: isto o deixava amargurado. O fato de não
lembrar a própria origem fazia de José um homem seco, e, isso, aguçava ainda
mais o sentimento de compaixão do seu patrão.
Num certo feriado prolongado, João Clemente
recebe em sua fazenda a visita de um dos seus confrontantes, Elias Xavier,
renomado médico e cirurgião residente em Belo Horizonte, que nos finais de
semana e feriados, aproveitava o clima e as maravilhas da Serra. Em conversa
com o amigo e vizinho, Clemente relata a situação de José Vazio, expondo-o tudo
que acontecera desde a sua chegada e, ainda, o fato de ele não enxergar do olho
direito. Intrigado, Elias propôs examiná-lo no consultório que montara em sua
casa, no sítio, para atender as pessoas que moravam próximas à sua propriedade.
Informado sobre a conversa com o amigo médico, José Vazio fica extremamente
feliz e ansioso para a consulta. João Clemente, por sua vez, sempre atencioso e
preocupado com seus empregados, prontifica-se a acompanhá-lo no dia marcado. Na
véspera da consulta, de tão ansioso, José não prega os olhos. Passara a noite
em claro pensando que seu martírio, talvez, poderia estar chegando ao fim.
Finalmente o dia raiou na fazenda São José. O
sol batia à porta da casa do retireiro. Afoito, José toma seu banho, veste a
sua melhor roupa, doada pelo patrão, e, ao invés de ficar parado, de cócoras
junto aos latões de leite, como fazia todas as manhãs na tentativa de resgatar
alguma lembrança, vai até o casarão para avisar seu João de que já estava
pronto para a consulta. “Calma, rapaz! Vai dar tudo certo”, alentava João, o
empregado ansioso. Mas não havia nada que o deixasse mais calmo naquele
momento. Consciente do desespero de José Vazio, Clemente também se apressa e
logo estavam atravessando a porteira rumo à propriedade vizinha.
Na hora marcada, Elias, vizinho de cerca e amigo
de longa data de João Clemente, abre as portas de sua casa e recebe os dois com
extrema alegria. José Vazio não muda em nada seu semblante, mas, Elias, por sua
vez, para por um momento, fitando aquele homem alto, magro e triste: “de onde é
que conheço este homem?”, pensa o médico.
Comentários
estava aguardando a continuação, e gostei da maneira como está fluindo tudo...
Marco Antonio
eu tenho um vizinho aqui que usa tapa olho e trabalha com coisas manuais.. vou chamá-lo de Vazio...rss mas antes vou falar para ele ler este teu texto
Marcelo Jota
eu continuo acompanhando sua história e gostando muito...
pamela
buenomarques@yahoo.com.br
muito bom seu texto
Maria da Conceição