Mesmo
assim, ele se expõe diante do espelho das letras e surge quase nu de seu
sentimento, transparente, mas não todo exposto, como defendem os versos do
livro citado (p. 39): “Escrever é se despir/ (si próprio e o sentimento)/
daquilo que há no âmago (...) que se expõem ao grafar.” Tudo vai muito bem, mas
quando ele introduz a palavra “âmago,” carregada de ambiguidade, veste-se de
novo em seu manto opaco, pois “âmago” oculta, indecifra qualquer sentimento,
não permitindo que se descubra a límpida realidade. Como quem quer e não quer,
finge querer revelar-se, mas, é “fingimento deveras.”
Ainda que
se deixe ocultar entre versos meio obscuros (p. 46): “circunspeto à candura dos
lorpas,/ atreve-se a vir à tona o ubíquo,” o poeta revela sua posição, dentro
de uma crítica visão de mundo, bem como o domínio que exerce sobre a linguagem
figurada, mas reveladora de identidades. É claro que o leitor atento sabe que
isso é um jogo de esconde-esconde e ver um poeta nu, nos termos em que estamos
tratando, é algo que beira a impossibilidade. É que o poema, na condição de
reflexo do espelho interno do escritor, traduz imagens distorcidas,
modificadas, embora verdadeiras na sua essência, no âmago, por assim dizer. Sem
controvérsias, todos manipulam a imagem que publicam, nunca negando a
verdadeira face, mas investindo no disfarce da própria realidade vivida ou
desejada.
Com isso,
pode-se afirmar que o poeta, que é um inventor/ator por natureza, não se
permite aparecer de cara limpa em nenhum de seus versos, principalmente nas
obras-primas, onde a invenção é regra. Porquanto, há um jogo de ideias e
sentidos figurados para guardar o que só ele sabe e a ninguém diz. Por assim
dizer, a mimese, que é a imitação por palavras, na literatura, não se configura
em copiar a realidade dos fatos, mas moldá-la ao cunho artístico, exigindo que
o escritor se vista sempre de uma roupa pelo menos linguística, invisível aos
olhos comuns e sabe que não se pode despir completamente, porque possui alguma
caixinha de segredo que não se abre. Há sempre um tapa-olho nas partes mais
íntimas da poesia.
Para
aumentar o disfarce, o autor dialoga com outros poetas, quase que
inconscientemente, mas descobre o caminho e provoca a intertextualidade, bem ao
gosto dos modernistas, como se atesta em “Uma parte de mim é permanente/ outra
parte se sabe de repente” de Ferreira Gullar e que Roberto de Queiroz (p. 63)
atualiza como “Um pedaço de mim é permanente/ outro pedaço surge de repente”.
De quem trata “essa parte?” De Gullar ou de Queiroz? O certo é que existe um
elemento chamado eu-lírico que anula a verdade de ambos e se pronuncia como uma
voz dentro do poema que não pertence mais a nudez dos autores, mas a dos
leitores quando percebem que a verdade do escritor é também a sua. E quem
aparece nu, nessa história: o autor ou o leitor?
Na verdade, só o poeta sabe onde “os poemas estão prontos
sem estar” (p. 61) e isso Roberto de Queiroz descobriu há muito tempo, desde
seu primeiro livro publicado. Agora tenta desnudar-se, mas ainda com muito
recato, porque não se mostra por inteiro, mas o que se permite revelar aponta
para a grandeza de uma poesia que transita com facilidade entre o verso branco
e o tradicional.
Vamos ver
se da próxima vez ele tira a roupa (sentimento) por completo e se revela nos
versos como em carta-aberta aos leitores. Du-vi-de-ó-dó.
Admmauro Gommes
Poeta e professor de
Teoria Literária da FAMASUL (Palmares/PE)
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