Trago na algibeira do olhar a lente da beleza,
capaz de iluminar os caminhos, ampliar horizontes e suavizar os sinais de
cansaço e do conformismo trazidos pela inevitável ação do tempo. A beleza
depende da forma como olhamos, da maneira como encaramos os acontecimentos. O
que torna belo não são os adornos, mas o esforço em procurar algo de bom em
tudo e em todos ao nosso redor.
O mundo se modifica quando, primeiramente,
modificamos a forma de olhá-lo e de aceitá-lo. A mudança de atitude é um
antídoto vital para não deixarmos o olhar se contaminar pelas mazelas
cotidianas. Mudar é, antes de mais nada, libertar-se de velhos hábitos,
conceitos e pré-conceitos que engessam nosso entendimento. Mudar é quebrar
paradigmas. Para isso, é preciso ter coragem e desprendimento. As dificuldades
que muitas vezes advêm dessas mudanças, são extremamente necessárias para
fortalecer os músculos da alma.
Mas o caminho que nos leva a esse estágio de compreensão
é, muitas vezes, estreito, longínquo e pedregoso. Nesse percurso, o essencial é
que nos consideremos constantes viajantes na busca pelo equilíbrio e pelo
engrandecimento espiritual. Todo crescimento é resultado de uma mudança
gradual, onde cada passo é importante no processo de evolutivo. Ninguém
adormece num dia com o olhar doente e, depois, no outro, desperta completamente
redivivo. Precisamos reconhecer que o nosso olhar também adoece e, por isso,
carece de cuidados. É preciso buscar a cura dos olhos negativos e
inferiorizados.
Há tempos atrás, considerava-me um escafandrista
e vivia submerso em águas estéreis, ruminando oportunidades perdidas para
justificar as tristezas que me assombravam. Felizmente, algo Maior me trouxe à
superfície. Procuro enxergar além das lamentações e dos ressentimentos. Hoje, em
terra firme, tento degustar a vida com a tenacidade de quem já esteve por
perdê-la, e com a emoção ímpar do reencontro. Passei a enxergar a grandeza de
Deus presente nas pequenas coisas, nos pequenos momentos: no canto dos
pássaros, nas sinfonias de Beethoven, no
som do silêncio, no cheiro da chuva, nos versos de Caiero, nas canções e nos falsetes de Milton, no sorriso de minhas filhas, no beijo e nos carinhos de
minha esposa, na harmonia do meu lar, nos perfumes naturais, nas orquídeas, nos
ipês...
Antes, atado ao receio do “não” e à dependência do “sim”,
não enxergava os nuances das cores, não ouvia os sons em todas as suas
dimensões. Sentia-me preso às laudas de um romance mal escrito, limitado ao
horizonte de um quadro pendurado na parede, onde a felicidade era algo
intocável, uma mera paisagem pintada pelo artista. Mas depois de perdoado por
mim mesmo, ciente de ter sido agraciado por uma nova chance, procuro enxergar a
beleza impregnada em todas as estações, em todos os momentos.
Envolto à Fé e comungando da mesma esperança dos
que almejam dias melhores, vou escrevendo minha história. Vou retirando dos canteiros
pensamentos daninhos. E, como os pássaros que semeiam flores, vou semeando meus
versos, confiando que ao menos um encontre solo fértil. Assim o tempo vai
cumprindo seu curso e ensinando a arte da espera, enquanto aguardamos o momento
sublime da colheita.
Hoje, mais fortalecido, considero-me um
sobrevivente, vencedor de uma guerra travada comigo mesmo, donde fora
arrebatado e reavivado pela quentura da alegria emanada pela luz do sol. E, sob
a ótica da poesia, contemplo com devoção e clarividência a textura da natureza,
através da leitura minuciosa e constante do livro da vida: os dias.
Luciano Marques
Comentários
gostei do seu texto. muito bom...
bezerra diniz