O conto que se segue foi escrito a partir do poema Aves Tristes de Francisco Ferreira. Hoje, amanheci sem-vontade. De tudo. De nada. Olhei a pilha de livros todos com um papel marcando o ponto da leitura interrompida — ausência daquelas linhas prenhas de fatos sem-graça. Sem-propósito. No chão, papéis amassados pela intensa tentativa de escrever, nunca acertando o ponto da história, sem-ânimo. Vontade de andar à toa. Sem-companhia. Desesposada. Sem-música. Sem-sol. Sem-carro. A oficina descumpriu a promessa. Sem-fome. Café me sustenta sempre. Vinho, às vezes. Água? Atravesso todas as ruas por que passo. Ânsia de desaparecer numa multidão que não vislumbro. Sem-pessoas. Desmovimento. Voltar? Sem-intenção. Imaculado-me. Procuro um tronco para me suster. Qualquer árvore me serve. Sem-sono. Sol enfraquecido na cabeça. Assisto as primeiras estrelas. Venta. Sem-frio. Com essa roupa? Sem-dinheiro. Ouço tímida e cúmplice a gaita na boca do Eduardo. Bar principal. Meus ímãs. Ninguém me son...