Pular para o conteúdo principal

Ivan Pereira Santos Júnior - Palavra Solta



Soneto da Mulher Morta

Uma mulher, um intenso desejo
E um poema a escorrer entre meus dedos...
Desejo-te, mulher, e eu te protejo
Na treva das paixões plenas de medos.

Na escuridão de mim, assim planejo
Elevar-te, mulher, dentre meus credos;
Erguer-te tanto que te olvide o beijo
Falso e vil de um amor que se foi cedo.

Solitária a vagar eu te condeno,
Mulher, que a mim tornou este deserto
De angústia e solidão às quais aceno

Tão cinza, tão longínquo – e entanto perto
Daquilo que me faz pouco mais pleno:
A morte em torno a que também desperto.

leia também:

Canção que morre na areia
Ninguém pode calar esta chama
Soneto de mesa de bar
Soneto no quarto fechado
Soneto de amor em solidão
Pálida ausência
O espelho quebrado



Canção que Morre na Areia

Tão breve, a brisa abranda e a fronte alisa
Qual pluma ou bailarina voltejante;
Matinal, sopra, leve e branca, a brisa
 E, branda, se dissipa inebriante.

No espaço, ela se espalha, ela desliza
Tão clara como o céu – mar verdejante:
Nas praias, meu amor imortaliza
E do mar forja os versos deste instante.

Assim, livre do espanto que condena,
Suave, canta a brisa o pensamento;
Nasce do sonho e se desfaz no vento,

Trazendo imagens que traduz a pena:
Quanto mais branco meu contentamento,
Mais ela é linda e lisa e leve e amena...


Santos, 23/02/2010

 
Ninguém Pode Calar Esta Chama

Trêmula, a chama que se vai me vem
E vem-me destrutiva e me mergulha
No oceano do acaso – e o ocaso orgulha
Como o amor, que me fere e me faz bem.

Ah, o amor... recrudesce-me o desdém.
Tudo que sei se me torna fagulha,
Cada poema, tênue como agulha
– Se antes eu era, ora estou além.

Meu ser se desata de ponta a ponta
E conto uma vez mais o que convém
Em acorde que exalta e desaponta,

Em verso alentador que diz, porém:
Amar em solidão nos amedronta,
Pior que amar é desejar ninguém.




Soneto de Mesa de Bar

Um violino, um violão e dois pianos;
O infinito é como Deus realmente disse:
Neles, guardo um pouco de mim e de meus planos,
Embora inexista futuro – vã crendice.

Um violino, um violão e dois pianos;
Angústia, impaciência... vêm como eu predisse:
De uma lápide, ler-se-á, por muitos anos,
Pousar ali terreno amor – outra tolice.

Um violino, um violão e dois pianos:
Por que me ouvem? se não vêem e não falam?
Sim. Falam, ouvem, e sempre dialogamos

Como amigos que voltam à mesa de bar
E, entre um chope e outro, recordam desenganos
Que traça o destino, quando o assunto é amar.

Santos, 22/04/2009

  •  

Soneto no Quarto Fechado

Por Deus, Clarisse, não se vá;
Por mim, amiga, fique aqui
– Íntima, lúcida, sorri
Que me desmancho em sonho, encanto.

Volta p’r’o alento de meu peito,
Refeito de revoltas gris
– Vítima, cúpido, refiz
De amor sonetos por inteiro.

Teu coração angustiado,
Porém, se deseja ficar,
Não te reza a razão o mesmo

Que faz deste espírito a esmo
Uma alma fadada a penar,
Sozinho, num quarto fechado.

Santos, 22/04/2009

 
Soneto de Amor em Solidão

Eis um cigarro e uma taça de vinho.
Eis uma estrela, um céu e eu sozinho.
E eis um poeta que, em busca de amar,
Na solidão vivencia um caminho.

Chora por dentro o menino que fui.
Chora impotente a amiga também.
E eis que da noite ressurge e seduz
A solidão a querer o meu bem.

E ela, da treva, vem louca, evocando
Densos demônios que dançam no escuro;
Alucinada, ela vê-me inseguro

– Tesa, ela pára e me vislumbra orando:
Eu, de joelhos, ao Senhor clamando
Sorte melhor qual meu amor, tão puro.

Santos, 25/04/2009

 
Pálida Ausência

Em bela tarde, quando eu caminhava,
A pálida ausência da amada vinha,
E enquanto eu mais sonhava, a impressão tinha
De ela me vir dizer que tanto amava.

Envolta em ventos, ela me falava,
E a voz dessa mulher, que era tão minha,
Na brisa esvoaçava e eu não detinha
– E assim, sua presença me deixava.

Dela resta a imagem na distância,
Fixado o seu amor na eternidade;
De seus beijos, enfim, resta-me a ânsia,

Porque, sem ela, a amiga, de verdade,
Perde-se, de tudo um pouco, importância,
E eu, errante, me perco na saudade.

Santos, 29/04/2009
  •  
O Espelho Quebrado

Os poemas redundam não em cores,
Mas em palavras...
Penso que o atingir do ocaso da existência tem, como
Alimento, o fogo dos sonhos moços.
Não poderei, então, sorrir com novel lábio,
Tampouco abraçar o mundo com vigorosos braços;
Todavia, poderei recuidar com mais castiço senso.
Não me intimidarei à sorte dos inconstantes dias, quando
Bate o vento, levanta as cortinas da sala
E esfria a torta de abóbora.
Esta é minha vida.
Admiro as montanhas.
As nuvens formam montanhas.
Gosto das nuvens...
Vi o Super-Homem e o Batman e aprazi-me — em criança,
Pensei poder voar, assim como todas as outras.
Vi a moça que de inseguro me chamou, porém, só (ou nem)
Guindaste pode erguê-la do chão, que é a vida dela. Eu vi Ary
Barroso, Noel, Lamartine Babo e muitos outros. Eu vi o império.
Adoro Caetano, Gil e Villa-Lobos e vi as flores que nascem pelos
Caminhos e a inocência evanescente. (Vivo sonhando.)
Eu vi a Império Serrano.
Da janelinha do ônibus, vi o pasto, os bois, Sartre e a Jovem
Guarda passarem correndo, e pensei
Na humanidade.
Cantei o sol e decantei o céu. Cantei ao sol pálido que distingue
A fronte e vi as nuvens que iluminam a noite...
Assisti ao Jornal Nacional, e de Boris Casoy gostei mais ou
Menos. Januária vi estarrecer-se; Beatriz, satisfazer-se inteira.
Eu vi colinas, e o manso gado pastando.
Eu vi o homem refestelar-se sobre o ventre da amiga.
Eu vi os casais se namorarem e vi a mãe de meu pai morta.
Eu vi o Rio de Janeiro, o Cristo e a Bossa Nova. Eu vi a
Guanabara. Ouvi “Garota de Ipanema”, “Corcovado” e
“Rio” — que lindo! Vi “Fotografia”. Eu vi meu rosto imberbe
E estive com meus irmãos, de todas as ordens. E, quando
Criança, não tive o amigo cão. Eu vi o indecente. Vi meus pais
Me educarem. Eu não vi meu nascimento, e Jerry Lee Lewis
Fascina-me.
Eu comprei livros. Estudei para ser alguém. Fiz uma canção
Sem melodia. Eu vi o último sorriso, a querida mão avoenga
A tocar-me e desejei o
Bem. Vi a moça a vender cocada, os Beatles, os Rolling Stones
E o último dos moicanos e ouvi Astrud Gilberto cantando
À noite toda. Cresci ouvindo Brahms e Beethoven.
Vi a imoralidade amoral abobalhar-me. Eu vi o inestancável
Ferimento e enfiei meu dedo na ulceração de um velho monge,
Porque este inquisidor. Escrevi o que veio à cabeça. Eu vi o
Trambolho. Vi o tralhoto.
Esta é a poesia de “fin-de-siècle”. Eu vi.
Cantei, altaneiro, o Hino à Bandeira, e não me arrependi.
Eu não tive adolescência.
Eu me vi chorar e sentir a perda e a ausência. Vi meu país
Sem patriotas. Vi descrentes meus patrícios. Vi a nação sem
Defensores. Vi os movimentos periféricos. Soube que existia
Movimento peristáltico
E assombrei-me, ante o fenômeno!
Vi obreiros erigirem prédios. Vi o ébrio erigir castelo e elefante.
Eu vi, novamente. Os homens se liquidam, inimaginando
Que são iguais. Os doutores
Foram arrebatados, mas seus trabalhos permanecem. (Vocês
Sabem que podem contar comigo...). Vi Herzog enforcado.
Eu vi a beleza e o transatlântico, embora goste mais do Titanic.
Dentro de poucos minutos, ouviremos Tom Jobim dar o seu
Recado. Vi a marcha da Liberdade e a dos Companheiros de
David Contra os Filisteus. E, novamente, ouvi a música de todos
Os filmes: a do Super-Homem eu gostei e, recentemente, a do
Batman! Queria eu voar como aquele desde infante, mas só ao
Morrer... Os grandes homens já se foram; e deixaram, entanto,
Os filhos menores... Existe ainda uma esperança. Vi-me a Escrever
Boletins informativos. Sou De Molay. Vi Schumann e Chacrinha
Baterem aquele papo... Quando menos esperava, o sol cobriu-me
Com seus raios, e viu-me plantando pequeno jardim, de Pequenas
Flores. Eu vi o sol nascendo e as nuvens se dissipando;
O regozijo perpétuo; a panela de pressão explodindo;
O gerúndio e o particípio;
O estendido braço do magérrimo mendigo; o deus tocando Harpa;
E marchei ao som da banda. Eu vi os superlativos.
Eu criei o que julguei serem versos e vi que eram bons.
Vivi, e ouvi Vó Adelita dizer-me que Martins Fontes dissera
“Como é bom ser bom”, e vi que era bom.
Vivi, e pensei em quantos finais poderia ter este discurso
E tantos outros, e com que músicas poderia ser declamado
— Com uma ou uma porção. Eu vi o transatlântico, embora goste Mais
Do Titanic. Eu me vi dar berro qual a trompa, ou mais ainda.
Tomei banho de chuva e tropecei no firmamento e beijei o
Asfalto. Eu vi todas as árvores, inclusive as genealógicas. Eu
Amo Deus, pisei na areia e li a razão kardecista. Li acerca do
Espírito da Verdade, e cri piamente. Eu conheci o Irmão “X”
Em sonho, e disse-me ele proteger-me, quando desse!
Assisto-me à Fé e à Ciência, portanto, concluo à luz da Razão.
Eu vi a inveja, o sentimento vil e cri em estúpidos governantes.
Por meio da televisão, eu vi a bomba atômica
(...Sempre confundo-a com “água tônica”); graças a Deus,
Não lhe sofri os devastadores efeitos, mas pensei nos japoneses...
Pensei nos inocentes. Eu vi Einstein se lamentar.
Einstein quer ser Einstein.
Os governos não devem distinguir seus povos pelas raças.
Todos somos iguais — diz a lei —, conquanto, a alguns, isso não
Pareça. Os homens se não devem divisar por seus matizes.
Eu vi, porém, esses mesmos homens se desamarem e lançarem
Mísseis contra si mesmos; de repente, vi-os se desarmarem
E conheci a tolice. Eu vi a sugilação. Vi o erudito e o boçal,
E as tendências musicais. Eu vi Yves Saint-Laurent.
Ouvi a canção da estrela vespertina e o luar por trás do
Monte. Vi o lago de Auschwitz, e dancei, com Apolônia,
Em salão iluminado, suntuoso, ornado à luz de velas, repleto 
De damas, de todas as cidades, elegantemente trajadas — umas,
À beira do desmaio, outras, do ataque de nervos. Ao piano:
Chopin.
Eu vi a desgraça, o júbilo, a montanha, os jacobinos, a
Bonança, João Gilberto, os impávidos colossos e o
Marulhar das cachoeiras. Eu ouvi o murmurar das fontes.
Eu pisei em cruéis pedras e em pedras lisas. Escrevi poesia
Como a compreendi.
Minha avó é inesquecível. Com Dona Adelita — a “Adela” —,
De mãos dadas, passeei, sorrindo. Dela, morro de saudades.
Seu desaparecimento foi como a amputação de um membro
Meu, a perda de função vital...
Eu vi o luar inefável entre as palmeiras e o vento da tarde.
Eu vi de tudo. Vi Ana Luiza e sua última quimera.
Vi dentistas, faxineiros, promotores de justiça e meritíssimos
Juizes (são homens como quaisquer outros).
Não há poderoso que não tenha dia de ruína.
Vi meus papéis se precipitarem no espaço infindo, em céu
Profundo, em dia de ventania; e voaram, e os não pude
Apanhar.
Eu vi um presidente ser deposto; os sub-reptores, processados,
Mas não cassados.
Eu vi naus transpassarem oceanos, e vi naus pertransirem os
Oceanos das idéias. Eu vi a espuma salsa do mar calmo e li
Goethe. Eu viajei. Vi-me ser como qualquer outro.
Vi a paixão das mil estrelas
E o amor dos torpes aços.
Vi-me surpreendido pelo luar da casa da praia, e inventei uma
E muitas canções.
Caminhei na praia. Entendi firmar tratados.
Nada há que não tenha eu visto.
Não posso — determinei-me — entender a matemática: nesta 
Vida, não.
Todos os verbos são nobres. Li as “rútilas ameias”.
Eu ouvi a música fatal: a das mil e uma noites e a das horas
Nuas. Andei em rua deserta e comprouve-me.
Eu ouvi o silêncio. Tangi o intangível. Vi a sujidade, a fealdade
— A minha fealdade. Vi as prostitutas de minha cidade sorrindo,
Inocentemente, a contemplar o lúdico, o futuro, a fruta madura,
A máquina, a lascívia, a cadeira, a semana, a mesa, as mãos do
Gênio e a besteira. Porque o homem está destruindo a Floresta
Amazônica e a Mata Atlântica, eu vi os bichinhos e as crianças
Pequenininhas — as coisas mais puras deste mundo — fazerem
Um bico deste tamanho. Eu vi as depravações morais, e não me
Importei. Aferi toda dissipação.
Os homens deveriam empreender
Viagem sem precedentes sobre a Terra e avistarem-na da Superfície
Lunar para que, enfim, pudessem dizer: “— Vimos a Terra
Nascendo!” — e, quem sabe, somente assim, a respeitassem.
(Esta máquina escreveu grandes coisas e pequenas.)
Vi a musa do poeta, o esquadro do arquiteto, o olho que tudo
Vê, os arredores deste planeta mínimo e os arrabaldes das
Galáxias vizinhas. Fechei meus olhos,
E vi.
Vi as cenas antológicas. Eu gosto das sextas-feiras
Porque sei que depois delas vêm os
Sábados, e gosto dos sábados porque ontem se foram as
Sextas-feiras;
Domingo, pela manhã, ainda tolero, que ontem foram
Sábados. Já segundas-feiras não tenho o que detestar, pois sei
Que, doravante, é aquilo e aquilo mesmo...
Este texto é meu e de muitos outros. É tempo
De fazermos algo pela mocidade, carente de água e pudor. Vi o
Homem gemer de dor lancinante e a ele dei  meus préstimos de
Coveiro e inumei-o. Eu vi estátuas belíssimas. Componho
Música não sei pra que? Eu vi “Grande Sertão: Veredas”. Vi o
Erro de Português e não me puno. Eu fui a vida que poderia
Ter sido. Eu vi os homens do presidente. Ouvi falar de
“Espaço protocolar” e achei uma bobagem. (Às vezes, os homens
Se empenham em preocupar-se — e até matam — por coisas
Tolas.)
Gosto dos dias feios, nuvilosos... Eu gosto;
Contudo, é nesses dias que planejo o assassínio do presidente.
O mundo está cheio de loucos, a começar de mim.
Eu vi o estoivado pipoqueiro.
Não fui com a cara desse sujeito — mas ele não me fez mal
Algum!! É... decerto estou a ficar demente mesmo.
Disse o filósofo: “Todo gênio tem mescla de certa loucura”.
Não sei... porquanto, agora, não filosofo: “poemo”, do verbo
“Poemar”... Este poema nasce, caminha e se alimenta. Decorreu
De qualquer qualquer, uma vez que o homem empunhe a pena,
E sua alma não seja pequena (dissera um poeta).
Ainda beijarei mulher de branco.
Vi o indescritível seio configurado em duas ou três
Tonalidades, através de generosas, veneráveis cavas de diferentes
Blusas. Eu me apaixonei diversas vezes, e diversas vezes
Experimentei instigar a suicídio o sofrimento. Vivi ao modo
Ditado pelos amores precisos e medonhos. Redigi versos
Escoimados e de pé quebrado. Senti vontades em miríade.
Eu vi tudo, ou quase tudo.
Eu vi.
Malditos sejam estes meus olhos!

Santos, 28/02/1994
 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Varal do Brasil - Salão Internacional do Livro

Os preparativos para o 29º Salão Internacional do Livro e da Imprensa de Genebra já começaram. Estaremos presentes com nosso estande pela quarta vez levando autores de Língua Portuguesa para divulgar cada vez mais nossa literatura. As inscrições para todo autor que desejar participar estão abertas! Também seguimos com as inscrições para nossa quinta antologia: Varal Antológico 5  saiba mais lendo as informações 

FESTIVAL TRAÇO: Música e Desenhos ao vivo

12 bandas independentes de Belo Horizonte se reúnem a 16 artistas gráficos para dar origem ao festival Traço – música e desenhos ao vivo . A iniciativa  é um trabalho experimental, em que os grupos tocam enquanto os desenhistas criam ilustrações ao vivo, projetadas no telão da casa que recebe os shows, o Stonehenge. Composto por quatro edições, com três apresentações por noite, o festival estreia no dia 8 de agosto, às 21h, e tem encerramento marcado para junho do ano que vem. A curadoria musical abrange estilos, formações e propostas diversas. Rock, dub, ska, afrobeat, música instrumental, eletrônica, punk, grunge e “stoner barroco” são ritmos apresentados por bandas que variam de trios a septetos. Os objetivos vão desde apresentar simplicidade por meio de um som direto ou refletir sobre a sociedade contemporânea até “detonar uma experiência sonora alimentada pela cultura negra e urbana, que faça mexer músculos e cérebros”. Provocar a imaginação é também o intuito da curad

Trajes Poéticos - RIMA EMPARELHADA

rimas que ocorrem seguidamente em pares. ********* os poemas publicados aqui participaram do concurso Trajes Poéticos realizado pelo Clube de Poetas do Litoral - salvo os poemas dos autores cepelistas que foram os julgadores dos poemas.