Nunca mais Voltaremos para Casa
por Ronaldo Cagiano
A força narrativa desses contos reside não apenas na
linguagem, mas na matéria-prima que Emanuel Medeiros Vieira elegeu e que é
peculiar a toda sua obra, sela ela poética ou ficcional: o olhar crucial e
crítico, sobre o homem e a vida, no que eles carregam de sutileza ou miséria.
Emanuel dá voz aos dilemas contemporâneos, tão marcantes na
vida das pessoas e das próprias instituições. Sem abrir mão da contundência,
seja no enfrentamento de temas tão candentes como a crise da ética e as
distorções morais, tanto nas relações afetivas, como nas políticas e
literárias; seja na linguagem, sem enfeites ou clichês, o autor examina e
reflete sobre as tragédias que atormentam o homem moderno e os sintomas da
fossilização dos sentimentos numa sociedade afetada pelos fetiches do mercado e
da cultura de massas, tão absolutos, avassaladores e excludentes.
São contos enraizados no ser, de uma beleza e de uma verdade
cruéis, dos quais emergem questões fundamentais, que num mundo regido pelos
interesses e movido pela superficialidade, em que tudo parece espelhar a
carência de profundidade, deixando como terrível saldo a solidão e como
resultado um inventário de perdas e danos.
A relação pai e filho, a desilusão com os rumos da
literatura, que sucumbiu aos ditames da mídia, à ditadura do mercado e ao
tráfico de influências; o recesso da vida amorosa e a conseqüente dureza dos
corações sem afeto; a falta de humanidade que instaura um permanente exílio, o
cinismo das elites e econômicos e intelectuais; a ausência de perspectiva
ressaltada num diálogo que tenta resgatar os valores perdidos; a crítica há um
tempo que já não tem sonhos nem utopias – tudo é discutido pelos personagens
que Emanuel constrói meticulosamente. E lhes dá cara, coração e personalidade,
emprestando-lhes uma psicologia e uma consciência, como se estivessem com o
leitor num alonga e empática conversa para a tentativa de “dar sentido ao
absurdo do quotidiano”, de arrancar “as raízes do sofrimento e a presença do
Mal” e para vender o pessimismo diante do vazio da vida e da certeza da morte.
As vozes que se entrelaçam no discurso narrativo parecem
ricochetear o pensamento do autor, com seus alteregos, dada a clarividência com
que expressam a verdade crua e nua da gente que vive os seus choques, embates e
desafios quotidianos, algo que sempre constitui a preocupação íntima do homem e
do autor que ele é com sua impenhorável indignação com que sempre encarou as
injustiças e o desvio de caráter, seja dos homens ou dos governos.
Vale destacar a paixão de Emanuel pelas citações, analogias
e referências à alta literatura. Não se trata de exibicionismo, auto referência
ou confissão de sua longa experiência de leituras, como pode parecer à primeira
vista. Não se está pagando pedágio à visão de outros mestres, mas é um simbiótico
recurso, que cristaliza seu estilo inconfundível e enfático e que tem
caracterizado toda a sua obra e revela, primordialmente, a sua necessidade
vital de estabelecer um diálogo com as grandes fontes do pensamento, captando o
sentimento dos que, antes de nós, já se detinham nesse mesmo exercício
profilático e espiritual de catarse, por meio da literatura ou da filosofia, do
que nos atinge, a partir dessa atmosfera escatológica que paira sobre o nosso
tempo e o nosso lugar no mundo.
- Ronaldo Cagiano (Cataguases, maio de 2010)