Falarei sobre cultura.
Cultura? Sim: sem pretensão e de maneira clara.
Um dos temais que mais
problematizaram a minha geração foi a discussão sobre “altura cultura” ou
“baixa cultura”, arte “elitista” ou arte “popular”.
O CPC da UNE, já na década de 50 e também na
de 60, pensou o assunto em reuniões, seminários, obras de arte. E subiu o
morro. Lógico, havia equívocos e um maniqueísmo ingênuo que, dentro do contexto
da época, até era possível entender.
Por que não gostar de
Beethoven e de Carola, de Mozart e de Pixinguinha, de Bach e de Lupíscinio?
Já é um lugar-comum ou
“mantra” da indústria cultural se justificar afirmando que oferece o que
público quer.
Bia Abramo indaga: “Mas será
que, ao contrário, o mecanismo é de tal forma perverso que o público passa a
querer aquilo que se imagina que deve
ser dado?”
O gosto se discute sim! E tem
mecanismos complexos e autônomos.
A acusação que se faz para
desqualificar os que criticam a programação da TV aberta, é chamá-los de
elitistas.
(Seria elitismo condenar a
horrenda grade da TV aberta, pelo menos aos domingos?)
Elitismo é deixar fora da
população pobre – que, às vezes se esforça loucamente para construir
bibliotecas nas favelas – aquilo que a humanidade
produziu de mais duradouro e inteligente.
Elitismo – pondera outro
observador – é fazer da alta cultura privilégio de minorias, enquanto se produz
lixo para quem não conhece nem tem tempo de conhecer outra coisa.
“Elitista é o sacrossanto
mercado, que não irá arriscar o lucro certo pela missão – que deveria caber a
uma emissora pública – de tornar sua audiência
mais informada, consciente e crítica.”
Pude perceber , em alguns
morros deste país, a emoção das pessoas
mais humildes, mais pobres, mais vulneráveis do Brasil, assistindo a uma
orquestra que foi se exibir para elas, com Villa Lobos, por exemplo, no
repertório.
Se só se oferece lixo,
violência, e se existe uma volúpia em
exibir os mais baixos instintos (em programas policiais ou de auditório), as pessoas só terão isso. Não saberão de
que existe um outro mundo, uma outra arte, e passarão o tempo de suas vidas sem
poder usufruir de qualquer beleza.
Precisava-se antigamente de
vários dias, semanas ou meses para leitura (profunda, feita com calma) de um
romance. Lembro de “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. A gente folheava, voltava
para trás, para frente, lendo de novo, mais uma vez, para gravar bem o nome de
um personagem; enfim, refletia-se sobre a mensagem.
Hoje, como expectador, a
gente consome o mesmo romance, processado em imagens, no espaço de noventa
minutos.
Mas com menores consequências, pois, como observa
Günter Kunert, deixa de existir o esforço de traduzir na mente primeiramente o
elemento abstrato do texto para algo visível.
Claro: nesse ritmo, quem está
acostumado só com TV, se pegar um livro sentirá tédio, pois “sua expectativa
subliminar não é satisfeita, porque aquilo que lhe é oferecido exige um outro
método de abordagem.”
Ele resume: “Quem está
acostumado a caminhos curtos mostra relutância diante dos mais longos.”
GRACIAS, MERCEDES
Serei até redundante:
Mercedes Sosa marcou muito a minha geração.
Com belíssima e impactante
voz, ela falava de nossas aflições políticas, da morte dos sonhos, das
ditaduras, do sofrimento dos idealistas.
Ela foi a voz da resistência
de nuestra América
Mercedes, através de uma
música bela e pungente, meditou sobre as angústias e esperanças de gerações politizadas
que sofreram em suas vidas o impacto das ditaduras brutais do cone sul;
refletia sobre os exílios internos e
externos em nossas vidas.
E – algo muito importante –, ela
cantou a sensação de desenraizamento, e a percepção de ser estrangeiro também
em sua própria terra..
Para muitos de nós, o exílio
foi a pátria soberana.
Em mais de 40 álbuns,
compactos e participações em discos alheios, ela gravou os mais importantes
compositores argentinos, como Ariel Ramirez, Atahualpa Yupanqui, Horacio
Guarany, César Izella, Léon Grieco,
Victor Heredia e Gustavo Leguizado.
Trabalhou, igualmente, em
parceria com o poeta Felix Luna.
Mercedes também registrou canções
inesquecíveis de compositores e poetas chilenos como Victor Jará e Pablo Neruda.
Cantou “O Cio da Terra”, de Chico Buarque e Milton
Nascimento.
Foi um dos pilares fundamentais
da música popular argentina, ao lado de Carlos Gardel (que está cantando cada vez melhor...) e Astor
Piazzola.
Bastaria que tivesse sido a
intérprete definitiva de “Gracias a la vida” e “Volver aos 17” , de Violeta Parra.
El citava nas entrevistas a
letra de Maria Helena Walsh: “Tantas veces me mataron, tantas veces me mori y
aqui estoy resuscitando”..
DE GROUCHO MARX (1890-1979):
“Esses são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros.”
por Emanuel Medeiros Vieira
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