Pelos mares do poeta
Roberto de Queiroz*
Falar sobre Admmauro Gommes não é algo que me parece difícil, pois convivi com ele, por um longo período, durante minha estada na FAMASUL, nas aulas de Teoria Literária e de Literatura Brasileira, disciplinas específicas do curso de Letras, das quais ele era/é titular. E foi a partir das aulas de Teoria Literária que tive contato com a poesia dele. Lembro-me de que em uma dessas aulas ele expôs, a fim de que o classificasse quanto à rima, em todas as possibilidades, este excerto do poema “Aflita”: “Que sempre assim seja o sonho / medonho, coisa inaudita / pois nele te recomponho / aflita, mas tão bonita.” Posteriormente, tive contato com o texto integral, entre textos mais, por meio da leitura da antologia “Pelos sete mares”.
Percebe-se, à primeira vista, que o poema supracitado pertence à vertente de poesia de forma fixa (ou poesia clássica), uma vez que ele é composto de versos heptassílabos, cujas rimas obedecem a um esquema rigorosamente elaborado: disposição (cruzadas), qualidade (ricas/pobres), sonoridade (suficientes), intensidade (graves) e gênero (femininas). Diante do exposto, pode-se inferir que o poema em análise expõe o fato de que o poeta navega com maestria pelo rigor técnico e o esteticismo do mar parnasiano e pela exploração do consciente e do subconsciente do mar simbolista, sem ancorar em nenhum porto desses mares, e sim tirar proveito do processo de criação de um e outro, criando seus próprios mares.
É fato que Gommes navegou por diferentes mares literários, partindo da poética tradicional rumo a uma poética própria (singular), sem, no entanto, romper radicalmente com o passado, nem o discriminar, como fizeram os autores modernistas da primeira fase, em relação aos autores parnasianos e aos românticos. Digo isso porque, além do rigor formal a que alude o texto em apreço, pode-se também observar nele características notadamente românticas, a exemplo do confessionalismo romântico, ou seja, ele traz à baila sentimentos pessoais do autor em dado momento da vida.
Na navegação poética de Gommes, pode-se notar também ecos do mar barroco: a religiosidade (“Luta dentro de mim”); a lírica amorosa (“Canção aos teus olhos”); a sátira ou ironia (“Tudo é plano”); o burlesco ou crônica do cotidiano (“Há sempre um galo”). Além disso, o estoicismo neoclássico ou o desprezo dos prazeres, do luxo e da riqueza (“Desejos”); o realismo ou a ênfase no mundo real (“Desencantos”); o pré-moderno ou o expressionismo literário, isto é, a ênfase das imagens do interior do ser humano (“Maçã”); e a pluralidade de linguagens e perspectivas da modernidade (“Outra forma”) são marcos de sua trajetória poética.
Admmauro Gommes é, sem favor algum, um autor genial. Sua genialidade está justamente na sabedoria de ele não cuspir no prato em que comeu, como muitos o fazem. Igualmente está no fato de ele, além de poeta de alto quilate, ser exímio prosador (cronista, articulista e crítico literário). Tudo isso contribuiu para que ele se tornasse um dos mais talentosos autores deste início de século 21, passando de navegador de outros mares a criador de seus próprios mares. Naveguemos, pois, pelos mares do poeta!
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* Poeta, prosador, professor de Português e especialista em Letras. Autor de “Leitura e escritura na escola: ensino e aprendizagem”, Livro Rápido, 2013, entre outros. Facebook: https://www.facebook.com/robertodequeiroz.2
(Texto publicado no Diario de Pernambuco, 10/02/2015, Opinião, p. A8)
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