Giacomo da Letine |
O SONETO SEMPRE
Concebido na
primeira metade do século XII pelo engenhoso trovador siciliano Giacomo da
Letine, o soneto passa à Itália, onde alcança notoriedade e chega aos cimos da
glória com Dante e Petrarca. Introduziram-no na sofisticada literatura francesa,
já no século XVI, Melin de Saint-Gelais, Pontus de Thiard e Marot. Essa foi uma
época formidável: na França, com Joachim
du Bellay, Pierre de Ronsard e seus notáveis discípulos; na Espanha ensolarada
de Cervantes, com Herrera, Lope de Veja, Quevedo; na Inglaterra, de modo
triunfal, com Shakespeare. Levou-o para Portugal o dedicado poeta Sá de
Miranda, quando regressa da sua célebre viagem às plagas italianas; mas foi com
Luís Vaz de Camões que esse esplêndido pequeno poema atinge o trono do Monte Parnaso,
a elegância simples da perfeição. Adiante Bocage, Antonio Nobre, Guerra
Junqueiro, João de Deus, Rodrigues Lobo, Antero de Quental, Júlio Dantas, José
Régio e Fernando Pessoa (com seus impressionantes sonetos ingleses)
sagrar-se-iam primorosos mestres do pequeno som poético.
No generoso
ambiente tropical brasileiro, desde o período barroco literário, tivemos
talentosos cultores, a partir do surpreendente e inquieto Gregório de Matos
Guerra, em seguida Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto, Gonzaga
e serviu-se dele também, com exuberante brilho camoniano, o exímio sonetista
Cláudio Manuel da Costa!
Álvares de
Azevedo e Castro Alves cinzelaram o soneto de modo cativante, mas
comedidamente, uma vez que entre os românticos sua prática foi eventual por
motivo de recusa estética e formal aos modelos e regras do neoclassicismo
poético.
No entanto,
entre os nossos parnasianos que retomaram o culto da forma e a valorização dos
motivos clássicos, no final do século XIX, o soneto conquista a posição
incontestável de ídolo literário nacional, com Olavo Bilac, Raimundo Correa,
Alberto de Oliveira, Vicente de Carvalho, Francisca Júlia, Luís Delfino, Auta de Souza; esta plêiade o
conduziu à plenitude de seu fastígio, modelando-o carinhosamente, por vezes,
até a máxima altura da realização ideal.
Quando chega a
vez dos simbolistas e dos poetas do período de transição literária, chamado de
“pré-modernismo”, a tarefa deles é quase impossível: manter o nível compositivo
na mesma qualidade irresistível já atingida; assumem o desafio dessa magna
proeza: Cruz e Souza, Alphonsus Guimaraens, Emiliano Perneta, Machado de Assis,
Raul de Leoni, Augusto dos Anjos, Dante Milano, Olegário Mariano, Manuel
Bandeira, Guilherme de Almeida, Mário Quintana e entre os modernistas, passada
a fase iconoclasta antiparnasiana, já no espírito moderado da segunda geração,
Vinícius de Moraes!
Por isso, não
desaparece do gosto do apreciador de poesia essa pérola de beleza poética
inexcedível, perdura o seu prestígio inalterável até hoje. Mesmo se tratando de
uma composição concisa, sempre mereceu o elogio e a adesão implícita dos
grandes poetas, sendo oportuno citar o verso elucidativo de Boileau: “un sonnet
sans defaut vaut un long poème...” (Art Poètique, II, 94).
Compõem-se o soneto
de 14 versos, distribuídos em duas quadras e dois tercetos. O verso conclusivo
que causa o impacto do arremate recebe o apelido imponente de “chave de ouro”
porque deve ser o mais belo, a síntese do assunto desenvolvido, a quintessência
emotiva e que deve conter o cerne da
ideia geral do poema, conforme doutrina Théophile Guatier, quando afirma: “si
le venin du scorpion est dans sa queue, le mérite du sonnet est dans son
dernier vers”.
A forma fixa
do poema é bastante atrativa, exige domínio pleno da técnica de versejar.
Instiga o poeta ao duelo de esgrima com a língua e a poesia. Fascina porque
oferece dificuldade de elaboração, testa
o poeta em seu engenho e é arte posta em grau extremo. O soneto é o poema de
concepção modelar mais largamente cultivado, desde seu aparecimento. A sua
estrutura compositiva não é rígida,
no sentido da métrica, ritmo e rima. Os poetas filiados ao Classicismo optaram
pelos sonetos decassílabos com rimas opostas e paralelas nas quadras (ABBA); já
os parnasianos foram além das medidas novas, utilizando o grave verso
alexandrino. É possível também o sonetilho, composto por versos de sete sílabas
(na medida velha). Outro dado digno de nota é o soneto quebrado, em que os
versos se bipartem na cesura (isto é, na sexta sílaba do decassílabo heroico),
podendo ser lidos independentemente. Há também curiosos sonetos contando mais
de 14 versos, são os que contém um
terceto extra, denominado de “estrombote”. Também, destacamos o soneto acróstico,
o de arte maior, o invertido (tercetos companhados de quadras), o soneto
monossilábico, o mono estrófico e o festejado soneto inglês shakespeariano.
Quanto ao
assunto, embora tenha fundo lírico-amoroso, o soneto aborda todo tipo de
temática ou de motivo. Assim, o ímpeto interior do poeta, sua vibração emotiva,
a potência de sua inspiração, tais elementos formam o amálgama verbal e
estético dessa modalidade poética de estrutura fixa bastante concisa.
Constitui
prova de fogo para a capacidade e perícia compositiva do sonetista elaborar em
apenas 14 versos a mais primorosa joia literária que se conhece, independente
do estilo de época, filigrana de luz do gênio artístico humano concebido em
quatro estrofes.
A arte do
soneto depende mais do conteúdo, enquanto a forma básica representa a moldura
áurea para o quadro de origem clássica. Mas, quando a estrutura versificatória e
gramatical se junta à essência polissêmica e figurada do discurso surgido do
tema, seguindo um contexto poemático adequado, obtemos o seu formato ideal, o
equilíbrio perfeito entre significante e significado, ou seja, entre a ideia e
a execução plena do soneto.
Por isso, em
alguns aspectos, o Modernismo foi uma escola literária superficialmente
inovadora, contornou o soneto, sem aprofundar a questão. Não havia nada a
refutar e combater em várias, pujantes e prósperas literaturas de mérito
indelével indiscutível.
Jarbas
Junior
Prefácio do livro “Sonetos de Bolso –
Antologia Poética” organização de
Jarbas Junior e João Carlos Taveira – 2013 –
Thesaurus Ed. de Brasília Ltda.
ofertado por Anderson Braga Horta.
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