“Fracassei em
tudo o que fiz. Quis uma escola para os índios, e fracassei. Quis um país mais
justo, e fracassei. Quis fundar uma universidade de qualidade e fracassei. Mas
meus fracassos são minhas vitórias. Não estaria de estar no lugar dos
vencedores.”
Darcy Ribeiro
(1922-1997)
Internalizando fundamente o denso e tocante inventário do
mestre Darcy, fico pensando o que significam “sucesso” e “fracasso”.
É claro que eu e muitos amigos da minha geração (ou de
anteriores ou posteriores) não gostariam em estar do lado desses vencedores.
Não monumentalizando a minha geração (segmentos da parte
mais consciente dela, a que tinha 20 anos em 1964 – 20 anos como data
simbólica, rito de passagem), creio que, apesar de seus equívocos, foi de uma
das mais generosas e preparadas da História do Brasil. Não falo por mim. Falo
pelos outros.
Mas fracassamos no sonho enorme (que nos moveu) de mudar o
País.
Sucesso? No modelo capitalista e mercantil, sucesso é ganhar
muito dinheiro, mesmo às custas do sofrimento alheio, ter cartão de crédito
polpudo e, muitas vezes, ser asperamente individualista, cruel e puxar o tapete alheio para subir.
Isso é “vitória”.
Vitória? Não há derrota humana maior que essa.
Quem conhece a gênese da UnB, fundada por Darcy e outros
grandes brasileiros, perceberá que não
houve projeto de universidade mais generoso, altamente capacitado, ecumênico,
autêntico e profundamente enraizado nos sonhos maiores do povo brasileiro.
Não conheço projeto de universidade tão integral
(“universal” mesmo) em nossa América Latina.
Lógico: o “chega-pra-lá” dado na gente pelos gorilas de 64
devastou o sonho.
Voltando do exílio, depois de anos de anos de conquistas
internas, mas de muito sofrimento, Darcy diria que “sua filha (a UnB) havia
caído na vida”.
Se ela caiu na vida, não caiu sozinha.
A degradação da universidade brasileira foi ampla, total e
irrestrita.
Nem falo das faculdades caça-níqueis, estimuladas pela
privatização tucana, e com ensino hediondo.
Participei como jurado num concurso de literatura aqui em
Brasília, em uma universidade desse tipo.
Meu Deus! É claro,
não esperava nenhum Machado de Assis. Mas os erros de
Português eram tão
crassos que, por exemplo, minha filha
Clarice – quando estava no 4ª ano do curso primário (creio que chamam agora de
fundamental) nunca cometeu.
Conheci alguns alunos que faziam mestrados em várias dessas
universidades.
Sem exagero, o nosso curso clássico (segundo grau), com os
jesuítas, era infinitamente mais profundo e melhor.
Pelo que me falam, as públicas também estão sendo sucateadas
rapidamente.
Mas para a visão dos “pedagogos” do PT e do PDSB e outros
partidos, o que vale é a quantidade.
Como respeito os mortos, não cito um ministro da Educação,
no governo do PSDB, que estudou no Colégio Anchieta,de Porto Alegre, onde eu
cursava o Clássico. Ele estava um ano na minha frente. Pessoa, querida e
gentil. Mas como ministro da Educação, sua obsessão era privatizar tudo, e
ajudou no sucateamento da universidade pública.
Existem no Brasil Um bando de abutres (fortíssimos) criando
oligopólios educacionais (?) ganhando dinheiro com a ignorância alheia.
Ninguém repete de
ano. Não tem mais 2° época. Agora é tudo
promoção automática. Muitos alunos chegam analfabetos no 4ª ano. Não sabem ler.
Não sabem interpretar o texto mais primário. Reprovar? Nem
pensar. “Vai ferir a autoestima dos alunos”. Esse psicologismo de butique, de
segunda categoria, é das maiores pragas da pedagogia moderna.
A “tigrada” não tem limites, é arruaceira, mal-educada, e os
professores acabam levando sopapos, alem de ganhar uma miséria (e, alguns,
ainda precisam gastar com remédios de tarja preta).
Claro, estou falando de escolas públicas de segundo grau.
O que acaba com a autoestima de um povo é a falta de
conhecimento e a ignorância.
Além da falta de fibra.
Sinceramente, em muitos segmentos da nova geração percebo
intensamente essa falta de fibra, de espírito guerreiro, essa carência de
solidariedade, essa obsessão por engenhocas eletrônicas, sem nenhum controle do
instinto (já está em Freud: a violência inata do ser humana só pode ser coibida pela “Lei”).
Infelizmente, as pessoas têm lido muito pouco.
“Autoridade” não é fascismo. Fascismo é desumanização, é
exploração.
Estabelecer limites é buscar uma convivência digna e honrosa
entres os seres humanos.
“Coitadinhos. Sofrerão traumas.”
Fui testemunha. Eu estava com um amigo. Havia uma moça belíssima, aproximadamente 20
anos, de quase dois metros, morena jambo, filha da mulher de um querido amigo
já falecido. Foi em Brasília, num sábado à noite. Ela estava usando drogas.
Chorando, abraçou-nos e disse: “Queria ter tido um pai e uma mãe que tivessem
me dado limites. Só fiz o que quis.”
É claro: educar e cuidar exige dedicação, esforço.
Mas tem gente que prefere ficar fazendo filosofia de
subúrbio em mesa de bar.
Estudam pouco, não são inteiros no que fazem.
Assim, tem gente que, depois de decretar greve na
universidade vai tomar banho na Joaquina (para quem não sabe, uma praia de
Florianópolis)...
Greve é algo muito sério e que exige ética.
A violência banalizada em todos os lugares, nas escolas, o
império do tráfico, a falência da comunicação entre pais e filhos, o sonho de
ser modelo ou atriz de TV, vai gerando uma sociedade de sonâmbulos morais. Mas
é assunto para abordagem maior.
E este texto já deve estar cansando...
Ah, querido Darcy. Se todos os brasileiros “fracassassem”
como o tu, o Brasil seria melhor.
Conversei com ele sobre isso num bar aqui da CLS109 Sul (já
fechado), no começo dos anos 90 – perto da Quadra dos senadores.
Tomamos água tônica dietética, enquanto o sol se punha no
Planalto Central (Brasília tem o pôr-do-sol mais bonito que conheço), e a noite
chegou, e não paramos a conversa.
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