enviado por cláudio feldman
O Último Golpe
1
- Vamos “limpar” o último trouxa e cair no mundo.
- Não
precisa, Goiano, com a grana que a gente tem dá pra viver muito tempo na
sombra.
- Mais um otário e pronto, Doralice.
2
A dupla sobrevivia de um modo nada original: a
mulher, bonita e decotada, atraía a vítima para o quarto de hotel, o companheiro
chegava logo depois, ameaçava o seduzido e este abria a carteira.
A cidade, turística, estava cheia de idiotas à
procura de novidades... e encontravam: taxistas que encompridavam os
roteiros, restaurantes que
superfaturavam os pratos, lojas que falsificavam relíquias etc.
O casal de trambiqueiros era apenas mais um elo
de uma extensa corrente.
E foi assim que Doralice (nome de guerra : Lola)
aproximou-se de um tipo bem vestido, bunda fincada no tamborete do bar, com
olhos verdes e melancólicos no vazio (turista, com saudade de casa?):
- Tem fogo, bonitão?
Aceso o cigarro com um isqueiro dourado (bom
sinal), começaram a conversar, no meio da fumaça.
Quando o cigarro foi jogado no lixo, após quinze minutos, quatro pernas começaram
a se movimentar até o quarto de hotel.
3
A mulher estava só de sutiã, calcinha e verruga
nas costas,quando, sem bater à porta, Goiano entrou.
Ator experiente, como a companheira, gritou,
indignado, diante da cena:
- Que diabo é isto?!
Lola, cobrindo a semi-nudez com o vestido, explicou, nervosa, ao cidadão
de cueca:
- É o meu marido!
O intruso, pálido, só conseguiu gaguejar:
- Não sa...bia qu’era ca...sada!
O golpista, mão no telefone, ameaçou:
-Eu só não parto a sua cara, pois a polícia sabe
fazer isto bem melhor.
O trouxa, voz trêmula, suplicou:
- Por favor, não ligue pra delegacia. Sou pai de
três filhas.
Goiano, para torturá-lo ainda mais e conseguir
melhores frutos, não atendeu-o e falou:
- Devia ter pensado nisto, antes.
O chantageado, diante da discagem (para lugar
nenhum), chegou ao ponto que interessava ao casal:
- Desligue, pelo amor de Deus, que lhe dou meu
dinheiro!
E em seguida:
- Posso me vestir?
Goiano concordou com a cabeça e afastou-se do
aparelho.
Logo que sentiu as vestes completas, o seduzido
tirou do bolso algumas notas e estendeu ao achacador.
- Só isto?! Lola, apalpe o sujeito, pra ver se
tem mais grana.
Após o minucioso exame, a mulher, ainda de
sutiã, calcinha e verruga nas costas, concluiu, radiante:
- Tem também este isqueiro de ouro que, de hoje
em diante, vai ser meu!
O malandro sorriu e, mudando de fisionomia,
disse ao depenado, feroz:
- Agora cai fora, babaca! E se abrir o bico,vou
atrás de suas filhas!
O bem vestido foi até a porta, de cabeça baixa,
e, inesperadamente, voltou-se, ereto, exibindo um distintivo policial e um
pequeno revólver, que ficaram escondidos no forro do chapéu.
- Flagrante, cambada!
E para a mulher:
- Devolva já o meu dinheiro, sua puta!
E o isqueiro que você nunca vai ter!
Lola, murcha ,restituiu-os à autoridade que, sem
se descuidar do gatilho, colocou-os no bolso.
- E agora, saiam em silêncio, pro distrito. A
“madame” vai pelada mesmo! Qualquer movimento torto, eu atiro!
Goiano, aflito, tentou detê-lo:
- Não dá pra negociar? Neste casaco tenho dez
vezes mais dinheiro do que o seu.
A mulher amaldiçoou o cúmplice, no pensamento:
“Lá vai nossa paz, Goiano de merda!”
O policial, num sorriso canalha, aceitou o
suborno e rematou, após embolsá-lo:
- Fica tudo entre compadres,’ tá?!
E saiu, batendo a porta.
Durante a colheita do dinheiro e a atenção ao
revólver, o polícia derrubara o distintivo no tapete e, quando Goiano foi
apanhá-lo, levou um choque.
E rugiu de cólera:
- É de fantasia, porra!!
A mulher, com irônica dor, comentou:
- Você queria mais um otário. E conseguiu: você
mesmo!
Cláudio Feldman
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