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MEU SEGUNDO CIGARRO DO DIA - Roberto Prado Barbosa Junior

enviado pelos autores


MEU SEGUNDO CIGARRO DO DIA


Essa me aconteceu logo cedo.
Estava na rua fumando meu cigarrinho, o segundo do dia - o primeiro foi dirigindo até o serviço – olhando para o céu e tentando adivinhar como seria o resto do dia, se com chuva, vento, chuva e vento, chuva, vento e frio, quando um sujeito de chinelos havaiana, gasto por sinal, aproximou-se de mim.
Antes que ele pronunciasse a primeira palavra, escolado que estou nessa vida, já fui lhe dizendo:
- Amigo, se seu negócio é dinheiro já te aviso que não tenho. Veja só, hoje é dia cinco, e ainda estou longe do pagamento, aliás, eu e todos nestes prédios aqui em volta dessa praça.

Ele olhou desconsolado e logo em seguida começa a desfiar a história triste de sua vida. Não pensem por essas palavras mal digitadas que sou um homem duro de coração, não, não sou, se sou duro é de bolso. Às vezes penso em invadir a seara dos pedintes para descolar mais alguns trocados, mas falta-me ainda a cara de pau para tanto. Mas sigamos.
Contou-me ele que vinha do norte, como quase noventa e nove por cento dos que vejo e encontro pelas ruas. Mostrou-me a carteira de trabalho, quase desfeita, disse-me que estava desempregado e que queria voltar para casa, mas para tal, faltava-lhe dinheiro.
Explicou-me que precisava de uma determinada quantia – que não declinarei aqui, pois por não ter a quantidade que ele precisava, não quero de forma alguma a piedade de meus leitores – para completar a passagem de ônibus.
Olhei bem para o sujeito, estava sujo, maltrapilho, e tenho certeza que se ele tivesse a tal “parte” do dinheiro para voltar, gastaria num pão com mortadela.
Não sou desumano, quero frisar bem isso.
Enquanto ele desabafava eu fumava meu cigarrinho que estava se tornando a cada tragada mais e mais amargo.
Após alguns minutos de conversa, ele se dispõe a ir embora, avança uns passos para a rua, e quando penso que ele vai-se enfim embora, ele para, volta atrás e, como tentando uma última cartada ou o blefe final, fala:
- Sabe? – disse-me olhando para o alto – eu não disse para o céu, eu disse para o alto – estou pensando em subir ali na passarela (passarela que as pessoas civilizadas, utilizam para atravessar a via férrea e a avenida lotada de caminhões e pegarem a barca para o outro lado do canal) e me jogar lá de cima...

Olhei para a mesma direção que ele, talvez para lhe dar um certo sentimento de cumplicidade, ou para medir a altura e computar o estrago, sei lá.
Passados alguns segundos, bem poucos por sinal, afinal meu cigarro já havia acabado e precisava voltar para a minha sala e encarar o serviço que lá me esperava, respondi:
- Pense bem rapaz, você quer pular para a morte, para o descanso final, mas pense bem, se ao invés da morte você ficar mutilado? Aqui passam muitos trens e nem sempre atropelamento por eles quer dizer que resulte em mortes...
Ele olhou-me entre espantado e horrorizado, ele esperava de mim talvez alguma compaixão, algum milagre que fizesse surgir alguns trocados em meus bolsos, alguma coisa ele esperava de mim, menos aquela resposta. E antes que ele completasse qualquer pensamento que estivesse lhe cruzando a cabeça, concluí:
- É ainda melhor pedir assim inteiro como você está agora, que ficar mutilado na porta de alguma igreja mendigando moedas, pense nisso.
Ele atravessou a rua, e quando chegou do lado olhou-me de uma forma que não consegui traduzir, não consegui mesmo.
Penso que salvei uma vida hoje.


Roberto Prado Barbosa Junior

Comentários

Anônimo disse…
Meus Parabéns.

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