FUNGA FUNGA NO FUÁ,
QUE NOME É ESSE?
(*)
Iracema M. Régis
Ser sábio é o princípio e a fonte do
escrever bem - Horácio
Aristides Theodoro (76 anos),
autodidata. A exemplo do escritor nigeriano Amos Tutuola, conhecido
entre nós através do romance “O bebedor de vinho de palmeiras”, como
aquele, não conseguiu fazer nem mesmo o curso primário e mesmo assim é um dos
mais velhos e conceituados escritores da região do ABC paulista. Destacando-se
pela inteligência, força de vontade, perseverança, destemor, muito trabalho e
uma teimosia de jumento empacado. Na defesa dos seus pontos de vista no
tocante àquilo, que acredita ser primordial à sua existência e ao bem comum da
humanidade.
Revela-se (diante de novas produções
saídas da sua cachola) um poço de conhecimento e chega, agora, com esse “Funga
funga no fuá”,
ao seu 14º livro. Seus outros treze títulos estão distribuídos entre poemas,
ensaios literários, filosóficos, provo-cações e registros sobre a
literatura regional. Este “Funga
funga no
fuá” é um livro de contos e não é surpresa nenhuma, para o leitor que
conhece a obra de Aristides
Theodoro, reencontrar sestros e cacoetes
característicos, bem recorrentes, a saber: o cenário cru do Nordeste Brasileiro; a mesma Curiapeba situada
na Chapada Diamantina
baiana, próximo a Lençóis, com “suas grutas friorentas, seus rios de águas pretas, ferruginosas,
frigidíssimas, suas cobras monstruosas, estridulantes, seus ipês amarelos,
suas onças, seus
pássaros de cantos variegados, seus cânions”, etc.
Tal-vez, segundo Maninha de Matos Sampaio,“uma das regiões mais bonitas do
planeta”. Alguns escritores, tais como o norte americano William Faulkner, ao
moldar seus romances, sentiu a necessidade de criar o seu famoso condado de
Yokna-patawpha; os latino-americanos – Juan Rulfo arquitetou Comala, no meio do
deserto mexicano, o Prêmio Nobel Gabriel García Márquez concentrou sua obra em
Macondo, na Colômbia. O gaúcho Erico Verissimo, autor de importantes obras como
“O tempo e o vento” e “O continente”, inventou Antares, na costa do Rio Grande do Sul e El Sacramento, na América
Central. Dentro de Curiapeba nascem, crescem e envelhecem ou chegam a essa
cidade os tipos que, igual aos personagens de Honoré de Balzac, passam de uma estória a outra
(conforme a vontade do seu criador).
Gerados por Aristides Theodoro, esses tipos recebem na pia batismal os nomes
mais estranhos possíveis: Dr. Athanázio Valovelho Clepaúva, Georgiano do Volga
Dourado, três Bertos Tochiko Mifuma, entre outros de nomes estranhos, contidos nos contos “Os
primeiros japoneses a chegarem a Curiapeba ditaram nomes inusitados para seus
filhos” e “Gente de Curiapeba e seus nomes esdrúxulos”. Os títulos de
algumas de suas estórias também não ficam atrás.
Aristides Theodoro, como escritor, é
um crítico ferrenho, contundente, sempre a alfinetar os desmandos do dia.
Trata-se de uma literatura rude, torpe, onde aqui e acolá o bem vence o mal.
Exemplo que aparece nitidamente aqui no conto “Um Dom Juan curiapebano
suicida-se após uma conquista mal sucedida e uma feijoada indigesta” –
onde Aristides se vinga das pessoas más, colo-cando-as em maus lençóis e sabe,
como poucos, zombar dos seus inimigos. Também sabe fazer justiça e é por isso
que encontramos no meio do burburinho das suas criações homens dignos,
progressistas, inteligentes, como os políticos Dr. Antonio Polissílabo Saraiva
e Dr. Walcírio Toneleiros Waluá, que tiveram por meta transformar uma cidade
pacata, atrasadíssima em uma das maiores metrópoles do Estado da Bahia, em
tempo recorde, trazendo faculdades, cooperativas, em-pórios gigantescos,
frigoríficos, pequenas indústrias e o jornal Os Sertões, sob o comando do
audacioso e destemido jornalista Aristarco Vieira de Melo (“o morfético”),
cercado por seus não me-nos audaciosos repórteres, Zeca Brotoejas, inimigo
mortal de Machado de Assis, e o sonso mineiro de Ubá, O. T. Velho, entre
outros. Não esquecendo do grande
avanço das mais diversas seitas religiosas, como a igreja católica, o
espiritismo, casas de Xangô e as várias denominações evangélicas, predominando
a igreja Jesus Virá, Ale-luia!..., presente em quase todas as vilas da
cidade.
A ironia e o bom humor constituem armas
poderosas nas mãos de Aristides Theodoro. É com elas que o
contista retalha as carnes alvas, gordas, dos poderosos do dia. São
impiedosas e destroem mais do que muitos surtos epidemiológicos, tais como a
febre amarela, a papeira, a bexiga negra, a catapora, etc. Paralelamente, nos
oferece estórias hilariantes, abarrotadas de ditérios e molecagens inusitadas,
a fim de melhor ornamentar
as suas peças literárias; às vezes coisas cruéis, quando ele resolve eliminar
através do riso, da galhofa, um dos seus personagens. Nesse pormenor o leitor
haverá de deliciar-se lendo “Um Dom Juan curiapebano suicida-se após uma
conquista mal sucedida e uma feijoada indigesta” (contido neste livro)
e cita-do anteriormente.
Como
boa conhecedora da obra de Aristides Theodoro, desde os primórdios da sua
produção literária, autora de inúmeros artigos (prefácios, posfácios, orelhas e
ensaios) referentes aos seus livros e uma biografia sobre o autor (Vida e obra de Aristides
Theodoro - 2008), afirmo
que o ponto alto deste “Funga
funga no fuá” está nos contos, onde a protagonista é a socióloga
e escritora Maninha de Matos Sampaio. Ela aparece pela primeira
vez em “O cangaceiro e outras estórias de Curiapeba”, 2006. Ali as
produções de Th, estão entremeadas de grandes mulheres, a exemplo de
Espinafrinda Peixe d’Água (a primeira de suas grandes criaturas femininas),
empresária progressista, que abriu caminho para Dona Dreiser Sister Carrie,
Maria Fidirowna, Nélia Maria Fernandes, Margarete Schiavinatto, Ana Maria
Guimarães Rocha e a caribenha Berenice Orozco Villas, entre outras.
Tratando
de Maninha de Matos Sampaio, o pai da criação, após explorar todas as facetas
do seu atabalhoamento comportamental (sempre com seu charutão Suerdieck de
Maragogipe no bico), o que podemos constatar nos escritos “Maninha de Matos Sampaio, separada de Zito Borborema, casa-se com o grego Osfósfero Pireu Clitofontes”,
“Maninha de Matos Smpaio, após o vexame do segundo casamento, organiza alguns
testamentos e põe fim à própria vida”, Theodoro coloca um ponto final
na trajetória dessa controvertida criatura.
Logo em seguida, quase a redimir-se
dessa exposição cruel, o autor compõe “Maninhofe: comidas
sertanejas colhidas, testadas e outras inventadas por Maninha de Matos Sampaio
provocam hilaridade em Curiapeba”. (A meu ver um dos melhores trabalhos
que o autor já produziu). Neste, Th, disseca a publicação de alguns livros
inéditos, deixados pela personagem, mostrando uma das qualidades de
Maninha de Matos Sampaio (que, afinal, era uma grande escritora).
(*) Funga funga no fuá, verso de
uma letra e música de Nando Cordel e Luiz Gonzaga. Funga, do verbo fungar (no
sentido de cheirar). Fuá, o mesmo que fuxico, usado no sentido de
festa (forró, forrobodó, ajuntamento, etc), Nordeste brasileiro.
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