MARIO JORGE — O POETA QUE NOS HABITA
Por Ilma Fontes *
“Viver como passarinho e morrer a duras penas” é uma frase lapidar de Mário Jorge para definir a condição do poeta no século XX — onde a intensidade do viver é o que vale contra a longevidade da existência. Se contarmos o tempo dos primeiros aos últimos poemas mariojorgeanos vamos ter quinze anos cronológicos: dos 11 aos 26. Mas, diríamos, que anos! Incluindo as transformações gerais causadas pela ditadura militar enquanto o primeiro mundo se orientava por uma Nova Ordem Mundial. Portanto, Mário Jorge viveu na Terra em um momento muito importante para a humanidade na dicotomia social dos pobres e dos ricos. A consciência planetária disso o imbuía do dever moral de lutar por um mundo melhor. É nesse contexto que Mário Jorge entra em contato com a política do CPC — Centro Popular de Cultura, em São Paulo e se engaja na discussão sobre o caráter da poesia experimental e do concretismo nos projetos estético-construtivistas. A poesia como ferramenta de trabalho de conscientização. A partir daí, os poemas de Mário Jorge perdem a doce cana di lirismo real-socialista e mostra a paisagem urbana do concretismo: “Verdecanavi alto do avião / lativerdefundio canascida / latinegra vida fomedrada /verde cana vi alto do avião./ A palavra fotograficamente consumida anuncia avenida / verdecanavi…” poema musicado por Alcides Melo e gravado por Joésia Ramos.
Daquela primeira fase — que sua orgulhosa mãe tanto gostava, restou a vontade do Bem, que sempre moveu a ação do poeta. Os sonetos foram restritos a três versos, quando não apenas três palavras: “Demus grass a Deus”. Não mais a estética do poema, mas a estética da vida — que sempre tem que ser bela, como a flor que nasce no lodo. E era tamanha a intensidade da vida poética que não sobrava tempo para as aulas, na Faculdade de Direito, em Aracaju e Sociologia, em São Paulo — onde conheceu a nata da inteligência de sua geração atuando no movimento estudantil. Egresso do ME sergipano, convivendo com os contemporâneos do Sul, propiciou a vinda do Grupo de Teatro de Arena da Ilha (do Governador), em 1967, momento em que o regime militar endurecia as práticas contra os direitos dos cidadãos. Aqui foram presos Benvindo Cerqueira e Reinaldo Gonzaga (hoje atores da Globo), o músico Gonzaguinha (filho do Gonzagão), Luiz Fernando Arvalho (diretor da peça censurada “Joana-Flor”, de Reinaldo Jardim) e a única atriz do grupo, Lia Maria Lagoa Braga — prisões que repercutiram na coluna de Sérgio Porto — FBAPA — Festival de Besteira que assola o País — assinada por Stanislau Ponte Preta com a célebre frase do comandante de plantão: “Em Sergipe quem entende de teatro é a Polícia”. Em 1968, quando a linha dura ceifou a vida ou a vontade de lutar de muitos membros daquela geração, Mário Jorge também endureceu as palavras, transformando-as a ponto de dizerem o máximo no mínimo de letras.
Passada a décade de 1960 com todas as revoluções acontecendo no mundo do comportamento, da música, da linguagem teatral, cinematográfica, gráfica, visual, iconográfica e da forte presença das artes na política ativista mundial, podemos dizer que Mário Jorge foi uma antena dessa raça inovadora, em Sergipe. Lançou em 1968 sua única publicação em vida — RevoLição — um saco/envelope de poemas com capa ilustrada — um acidente (premonitório?) de carro em choque violento. O conteúdo desses poemas é duramente social, dureza que vai-se diluindo na terceira fase, que Thiago Prado chama de “Mítica-regressiva”. É como se Mário Jorge tivesse andado tão rápida e intensamente no tempo que aos vinte e poucos anos já tinha dado a volta sobre si mesmo. Regressivo? Acho que não, místico? Não tanto. Mítico? Sim, pois se tratava de um supercérebro conectado a um megacoração e uma grande-alma. Tanto que imortalizou-se levando junto a dedicada mãe. Dona Ivone de Menezes Vieira, titular da Biblioteca Municipal da Farolândia, que agora abraça esta homenagem ao imortal (sem academia) Mário Jorge.
* Ilma Mendes Fontes é escritora, jornalista e cineasta. Formada em Medicina, optou pela literatura. É uma das mais brilhantes mentes emancipadas deste nosso país. Residente em Aracaju (SE), edita “O Capital” — jornal de resistência ao ordinário — desde 1991.
UM POEMA DE MÁRIO JORGE
LAVE MARIA CHEIA DE GRAXA O SUOR É CONVOSCO
Fragmentos de “Cuidado: Silêncios Soltos”
De sombras consumidas entre abismo
Fiz-me marginauta pescador de estrelas
Da imarginalização
Cavalguei nuvens de Vênus e calvário
Nos braços da menininha
Agora nem mais nem menos
Nem começo ou fim de linha
Fogo de mercúrio temperado em
Chuvas de verão é um bom remédio
Para loucuras brancas além de outras
Atenção
Estamos vivendo os últimos momentos
Da civilização ocidental podre e doente
Salve Marte e Vênus casados
Na força da bomba, na ira da hora, no soldo
No mais: blood blá, blá, blá
Prumode blá, blá, blá.
Mergulho lúcido no caos do ser
Quem vê que veja
Quem ser que seja
Sei lá
Quem vê que venha
Quem vem que tenha
Um sol
Estrelas do deus-menino
Desligadas do Natal.
Na boca do homem novo (em construção)
uma nova linguagem (em elaboração).
Renovar e renovar-se em constante redefinição perante a realidade,
o contemporâneo, o vir a ser: poesia e poeta.
O verso morreu afogado no marremoto da nova informação tecnológica.
Um mundo radicalmente novo eclode dos escombros da hora que vivemos.
Dinamitar os grilhões do passado que impedem a radical e profunda revisão
do hoje e sua negação.
Arte é forma de conhecimento. É reconhecimento.
Mário Jorge Vieira
(1946-1973)
postagem enviada por EDUARDO WAACK
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