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AS SETE ESTAÇÕES DO POETA - por Leonardo Só

Alucinante cântico marginal engendrado pelo saudoso poeta cubatense Leonardo Só. O texto reflete uma luminosidade ímpar através dos labirintos mentais do autor e seus devaneios em meio a uma caótica neblina ilusória de mãos dadas com a aridez de um cotidiano ausente de perspectivas poéticas. Porém, seu canto forte avançará sempre, para demonstrar a todos toda a sua força libertária interior.  - Vieira Vivo

Conheça aqui as três primeiras estações do poeta parte 1/3:


1 - O poeta enlouquece com o batuque do maracatu

Para qualquer parte que meus olhos se voltem, estarão sobre o corpo de um amigo bêbado na Rua 24 de Maio. A Rua 24 de Maio é uma zona de bares e puteiros, onde a cada dia é decepada a cabeça de um poeta ou de um louco. O amigo bêbado é um grande palhaço. Suas calças vermelhas esfiapadas são como bandeiras desbotadas que as águias disputam sobre os tetos destampados dos abismos. Ele agora dança, assovia e talvez cante. Seus cabelos molhados de suor caem-lhe sobre os olhos inchados de vinho. A camisa está enrodilhada na cintura porque o suor que lhe escorre do peito é frio como o suor de um agonizante. Ele dançará, ininterruptamente, até que a aurora se desenhe ante seus olhos como um  pássaro carregado de sangue. Todos os blocos já passaram. Já passaram todos os ritmos do corpo do vingador. Só ele continuará dançando como um palhaço louco, marchando como um conquistador para o pelourinho, onde a cada dia jaz, irremediavelmente, a cabeça decepada de um poeta ou de um louco.

2 – O poeta dança na rua deserta

O poeta disse ao seu melhor amigo: “hoje, beberei todo o vinho dos bares desta rua, aspirarei sobre este lenço branco o conteúdo deste frasco de éter, ficarei leve como um dançarino, não sentirei sob os pés os paralelepípedos, nem as mordidas dos morcegos que acompanharão meu bailado noturno, nem ouvirei os ritmos dos pés pranchados do vingador. Quando os ritmos do corpo do vingador se apagarem, então, já terei me suicidado à sombra do pelourinho, onde a cada dia jaz, irremediavelmente, a cabeça decepada de um poeta ou de um louco”. Então, aí, o pobre louco percebeu que nada mais lhe restava senão um pouco de urina e sal em seu café e alguns pelos de ratos esparsos no fundo do quintal.

3 – O poeta dança para os morcegos

Como se já pesasse demasiado, sobre a cidade deserta de agonia e silêncio, o poeta acocorou-se e mijou todo o vinho que lhe passava pela cabeça. Depois ficou triste, dizendo para si mesmo: “agora que estou leve como uma pluma e tenho as molas do corpo líquidas, poderia dançar até apagarem-se no deserto do céu as últimas estrelas. Mas, não vejo nenhum espectador, nenhum vagabundo, nenhum demente que ouça os ritmos dos meus passos”. Nisso, um formidável morcego caiu tremendo aos pés do poeta louco. Outro o sucedeu. E, mais outro. Daí em diante, uma nuvem cinzenta revoava sobre a cabeça dele. E o poeta continuou a dançar para os morcegos que, cansados de voar, ancoraram-se ao fio da calçada e adormeceram.  
  
Livro Duplo Mergulho (Natan de Alencar & Leonardo Só) págs. 27/32
Ed. Costelas Felinas
  

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