Yus quae sera tamem / Justiça
ainda que tardia – este
deveria ser o lema e até mesmo o
grito da Justiça de
Transição, esta
nova, bela, ampla e necessária forma
de resgate dos direitos negados e das injustiças esquecidas. Para mim, artista e anistiado político, receber esta medalha é como ganhar uma nova anistia, tão bonita e significativa quanto àquela, só que
agora concedida por uma entidade civil de suma importância, pois representa os advogados, a Justiça e o Direito.
Muito se falou, mas nunca o bastante, sobre os horrores da Ditadura de
64. Mas, um aspecto, importantíssimo,
permanece não dito ou
muito pouco analisado. Refiro-me ao que poderíamos chamar de “repressão amiga”; ou seja, naqueles tempos de chumbo, que prefiro chamar de
kriptonita, pois éramos
todos jovens super-heróis no
combate à
Ditadura, as pessoas que nos amavam, nossos pais, parentes e amigos não queriam saber da resistência, ainda que a achassem justa, e até mesmo evitavam falar sobre isto, com medo que tal militância ou mesmo a oposição democrática
pudesse nos levar à prisão, à perseguição ou a morte. Esta realidade, terrivelmente angustiante,
com certeza, levou muitos de nós à alienação, política e social, e à inversão dos
valores da Justiça e da Democracia.
Assim, louvo com a razão e emoção esta gloriosa iniciativa da diretoria da Caixa de
Assistência dos
Advogados de Minas Gerais, a CAA-OAB/MG, aqui representada por seus diretores,
Sergio Murilo Diniz Braga, Wagner Parrot, Ronaldo Armond, Diogo José da Silva, Fabiana Faquim, José Luiz Ribeiro de Melo e Pollyanna Quites -, ao criar,
pioneiramente, esta justa e oportuna honraria, a medalha da Comenda Lyda
Monteiro da Silva.
Devemos lembrar, sempre e constantemente, os bem-feitos e malfeitos da
humanidade. Não é bom, nada bom, que a Justiça morra, não se
fazendo presente ou célere, e
que tanto os carrascos quantos os mártires sejam julgados pela Justiça e pela História. De modo que vale muito lembrar um pouco da história de Dona Lyda:
Em 1980, quando o Brasil clamava por uma abertura política, a OAB participava ativamente na luta pela defesa
do Estado Democrático de
Direito. Bons tempos aqueles. Em 27 de agosto chegou à entidade uma carta com explosivos endereçada ao então
presidente, Eduardo Seabra Fagundes, que atuava também como delegado do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana. Seabra realizava uma campanha pública para identificar agentes dos serviços de segurança suspeitos de sequestrar e torturar o jurista Dalmo de
Abreu Dallari, aliás, por coincidência, meu colega bolsista em duas summer schools na
Universidade de Harvard, nos anos 60.
Lyda Monteiro da Silva, então
secretária da
presidência, foi
quem abriu a carta. A explosão lhe decepou o braço, além de
outras mutilações, e
provocou a morte tão
logo foi hospitalizada. Lyda, que trabalhou por mais de 40 anos na Ordem dos
Advogados do Brasil, tendo ocupado também o cargo de Diretora do Conselho Federal da OAB, simbolizou a
luta da OAB pela democracia. Sua morte fez crescer a autoridade da OAB na luta
pela retomada do processo democrático. Seu
enterro, acompanhado por mais de cinco mil pessoas, transformou-se numa
manifestação política de vulto. O dia de sua morte, 27 de agosto, tornou-se o Dia
Nacional de Luto dos Advogados.
Como disse, e muito bem, o Dr. Sergio Murilo Diniz Braga, presidente da
CAA-MG: "esta comenda é dedicada
a personalidades que lutaram pela democracia e a justiça social”.
Dona Lyda, mártir da
redemocratização, é, pois, um ícone na
luta da sociedade contra todas as formas de opressão, inclusive contra o silêncio dos que se calam diante delas ou, pior ainda, as
apoiam.
De modo que recebo esta homenagem com o merecimento dos que militaram e
militam nesta luta, infelizmente às vezes
rediviva, mas sempre encontrando nos resistentes o canto altissonante da
liberdade e a certeza da justiça social
sempre almejada.
A Liberdade pode e deve ser também
considerada uma questão estética. Não existe
beleza na miséria. Todo
belo é livre. Como a
Liberdade, a Beleza é indizível e somente reconhecida quando vivida. Não há arte
injusta nem Justiça sem
arte.
Esta Comenda, em homenagem à
Dona Lyda Monteiro da Silva, tem a beleza da arte porque é justa e canta em alta voz a Liberdade da paz social.
POSTAGEM enviada por Oscar Araripe
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