Certas atitudes que tomamos ecoam através de nossa
existência como um sinal dos tempos a reverberar aquela mensagem firme de
resistência latino-americana. Resistência enquanto união, busca de identidade
comum, engajamento por um planeta melhor, mais justo. Pedra jogada na represa,
seus círculos concêntricos adquirem dimensões cada vez maiores, vibrando,
movimentando, transformando-se. Um dia em 1986, após dar carona em São Paulo a
uma família de artesãos chilenos em dificuldades, fomos lanchar em minha casa.
Na despedida, recebi do mais velho deles uma fita-cassete, e uma recomendação:
“Guarda bem esta fita, pois é a última recordação que tenho de meu país”. O
disco em questão era “Alturas de Machu Picchu”, longo poema de Pablo Neruda
musicado pelo grupo Los Jaivas em 1981, e desconhecido para mim. Nos
despedimos, e pensei nas emblemáticas palavras do novo amigo. Passei anos
ouvindo aquela velha fita-cassete, já surrada de tanto uso. Depois, com o
advento da internet, descobri aos poucos o precioso trabalho deste grupo tão
afinado quanto dissonante, e disco após disco que escutava, crescia a
admiração. Na era do e-mail, acanhado lhes remeti um, e obtive resposta
imediata. Após intensa correspondência, tornei-me amigo do músico e escritor
Eduardo Parra, fato que muito me honra.
Los Jaivas é um conjunto chileno formado em 1963 pelos
irmãos Parra (Claudio, Eduardo e Gabriel), Mario Mutis e Eduardo “Gato”
Alquinta. A música que produzem possui influência indígena e o espírito
pré-colombiano, é um som ancestral com prodigiosos toques progressivos,
teclados que se embalam com zamponas, charangas & quenas, uma bateria
potente, aquela guitarra que é a representação fiel da raça guerreira, mapuche,
asteca, inca, maia. O vocal evoca a condição de criaturas escravizadas que
buscam ser livres e a originalidade perdida, pelejando nos labirintos da
dominação capitalista. Escutar sua música é viajar pela misteriosa Cordilheira
dos Andes, e do alto de seus picos nevados deslumbrar os oceanos Pacífico e
Atlântico, vulcões a cuspir fogo e cinzas, exércitos mercenários saqueando ouro
e prata, rios caudalosos de extensos mananciais subterrâneos, que se confundem
e assumem em lendas, arquitetura, presságios, simbolismo.
postagem enviada por Eduardo Waack
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