Do lombo do desvario, o louco construiu
a sua teoria sobre a mulher e a sustentou
até o findar de seu tempo, nestes planos
terrenos, insistindo que a milonga é a própria
mulher. Indagado, perquirido, instado, insultado
e tantas blasfêmias mais, o “elétrico e
desmedido desajustado das ideias” ergueu a
sua bandeira e deixou que o mastro a sustentasse
em seus “arreios”.
No primeiro enfoque, destacou o bailado
no andar! Afoitas e afoitos restaram de
olhares esbugalhados, imaginavam viesse
com ofensas gravosas. Já no segundo viés, arguiu
ser a mulher uma milonga, nos “douces”
sorrisos, em rosto multifacetado, fosse a
construção de uma face plural, uma amalgamada
colorida (com todas as epidermes),
produzindo efeitos contra os rancorosos raciais.
O genioso continuou a sua caminhada e
fez da mulher a próprio milonga. Se possui
bailado no andar, disse, andejante, com o
gingado, torna-se uma pérola, uma cobiça!
Mas logo, explicou, cobiça no sentido belo da
palavra! E suplicou, jamais desvirtuam do
sentido.
Seguindo o seu norte, elevou a mulher
milonga para o firmamento e construiu com
ela a própria lua. Velhas matutas, descompromissadas,
lindas moças e senhoras altivas,
todas, em entreolhares perturbantes, imantaram.
A mulher milonga... a própria lua!
Loucos são loucos e deles tudo pode provir.
Sorriu orelhas e elevou o olhar no meio da
noite, quando a lua escancarava a face roliça.
Soltou a mais alegre gargalhada e sumiu, para
retornar depois, ilustrando a sua tese. As
mulheres se dizem belas e não se pode negar
esse atributo, deem-se o direito de apreciar
a beleza da lua, entrelaçada de estrelas, é magnífica. Explodiu!Portanto, mulher milonga,
magnífica, bailante, multifacetada, com
gingados e ainda pérola!!
Os seus argumentos pareciam não ter
fim e fez da mulher milonga, um violão! Desta
feita, os protestos irromperam, em especial,
dentre as chamadas modelos, desses
desfiles “esnobes”. Isso para espanto do tresloucado,
pois, descompreendia ele, a luz destes
desgostos, sequer tivera oportunidade
de alongar o queixo e expressar suas cismas.
As bocas ressequidas silenciaram, para
“gáudio do cantor” e o pobre andarilho retomou
a sua jornada em estribilhos próprios,
soltando a língua para o seu público inexistente:
a mulher milonga é mesmo um violão.
Completou: pernas adornadas, corpo sinuoso
(tal os rios de montanha), salientes protuberâncias
na região afivelada, uma face peitoral
frondosa, rosto alegre e risonho e cabelos
alongados, lembrando as águas em queda,
tal véu de noiva! O turvo da noite, aplaudiu,
misericordiosamente, o assombrado e
desmedido desvairado.
Quase taciturno, mas em tom eloquente,
arrematou: oigalê mulher milonga,
ainda hei de vê-la confabulando com a lua.
Sob uma tênue névoa, ao pé do morro, o seu
mouro fanfarrão relinchava insistentemente.
Ao se aproximar do amigo de tantas jornadas,
percebeu que ele estava a anunciar a
presença de uma estrela. Alçou a perna e,
sob o pala esvoaçante, o louco partia em lua
de mel! -
Renato Jacob Schorr
texto publicado no jornal O NHEÇUANO
ANO 8 - NÚMERO 33 - ROQUE GONZALES, RS - MARÇO/ABRIL 2017
postagem enviada por Nelson Hoffman
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