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A CARRETA MISIONEIRA - Osório Santana Figueiredo

Os jesuítas, que foram os primeiros homens brancos a penetrarem, como organização constituída, em terras do atual Estado do Rio Grande do Sul, introduziram de imediato a carreta puxada a bois nas suas reduções. Esta deveria ser um veículo com peculiaridades próprias. Oriundas do lado espanhol. Do lado espanhol, naturalmente, eram menores em tamanho, requerendo menos juntas de bois. O padre Carlos Teschauer, em História do Rio Grande do Sul – II vol, nos dá substancial testemunho do uso intensivo desse tipo de viatura nos redutos jesuíticos. Quando os padres missioneiros retornaram ao Rio Grande, em 1687, após terem voltado para Corrientes, em 1637, registra esse fato com muita precisão: Foi em 2 de fevereiro de 1687 que, com famílias, gados e carretas abalaram da sua sede na margem ocidental do Rio Uruguai, os de São Nicolau, para, transpondo o caudaloso rio, voltarem a sua terra em número de três mil almas. Na época das colheitas, principalmente da erva mate, os jesuítas empregavam a carreta em grande número. Daí a crença de serem elas menores das que foram usadas na nossa zona da campanha. Afirma o Padre Teschauer: Quando os jesuítas transportavam dos seus ervais tudo carregavam em carretas não mui grandes, puxadas por bois. Levavam uma tropilha de duzentos e cinquenta ou mais número de bois para sessenta carretas em que haviam de trazer a colheita de erva; e ainda que não eram grandes deviam atrelar-lhes três juntas de bois a cada uma pelos caminhos maus. Conclui-se da obra do renomeado historiador que esses veículos e seus implementos eram fabricados por eles mesmos, aproveitando os dias de mau tempo, como se vê deste trecho no mesmo autor: (...) se durante a faina ocorriam alguns dias de chuvas, interrompia-se o trabalho, enchendo-se o tempo com fabricar carretas e cangas. Sabe-se, por tradição oral, que está nas Missões a origem da canga, que viera aos poucos substituir o jugo que dominava na fronteira do Sul. Quando interrogávamos os velhos carreteiros da razão da troca do jugo pela canga, eles sempre nos apontavam a zona missioneira como responsável por essa inovação que tanta polêmica causou entre eles. Diziam que era muito comum aparecer pelas bandas da campanha alguns serranos trazendo carretas novas, carregadas com surrões de ervamate, ou outros produtos das colônias. Eles iam até a fronteira, onde vendiam o veículo com bois e toda a mercadoria. Muitos fizeram fortunas e até compraram campos com esse tipo de comércio, sendo que a maioria das carretas eram trazidas de São Pedro do Sul, último reduto de construção desse tradicional tipo de transporte rural do Rio Grande do Sul. End.: Cx. Postal, 91 - São Gabriel - RS - CEP 97300.000 Todavia não se pode esquecer a herança da canga provinda das fábricas montadas pelos jesuítas, nas suas reduções, a fim de cobrirem as necessidades de transportes de grandes produções cultivadas por seus povos. Quando do Tratado de Madrid (1º de janeiro de 1750), que obrigou a transferência de todas as comunidades indígenas para o outro lado do Rio Uruguai, suas consequências foram desastrosas para os guaranis. Perderam eles o seu grande chefe, Sepé Tiaraju, no local chamado Sanga da Bica, junto a atual cidade de São Gabriel (07/02/1756) e, três dias depois, foram dizimados, na Coxilha de Caiboaté. Nos meses que antecederam essa hecatombe, a fabricação de carretas nos povos das Missões chegou a alcançar cifras marcantes, devido às pressas da mudança: - Foi ordenado aos povos de São Xavier e Santa Maria a Maior se fizessem em cada uma 50 carretas para ajudar o transporte da fazenda dos Sete Povos, semelhante ordem se deu a Concepção e Apóstolos, que tivessem prontas suas canoas e quarenta carretas pudessem preparar aos povos que deveriam transmigrar.(Teschauer, pág. 211, obra citada). Como vimos, pela descrição dos trechos anteriores, a canga aparece, segundo esses testemunhos, pela primeira vez e na região missioneira. Em fevereiro de 1982, entrevistamos, na cidade de Iraí, o venerando Sr. Severino Vieira Fagundes, conhecido por “Seu Polaco”, que disse-me ser neto e filho de carreteiro, como também muito carreteou na sua mocidade. Falou dos carreteiros profissionais que, de São Luiz Gonzaga, sua terra, a Rio Pardo e depois a Santa Maria, transitavam carregando os produtos daquelas regiões e, de lá, voltavam trazendo sal, tecidos e outros tipos de mercadorias, numa longa viajada de até três meses de ida e volta, em fileiras longas de carretas. O Seu Polaco, com 82 anos, como outros carreteiros daquelas zonas, confessou-me nunca ter visto um jugo, o que nos induz, efetivamente, que a canga é de origem missioneira.

Osório Santana Figueiredo 

texto publicado no jornal O NHEÇUANO
ANO 8 - NÚMERO 33 - ROQUE GONZALES, RS - MARÇO/ABRIL 2017
postagem enviada por Nelson Hoffman

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